Título: Incerteza com a crise freia contrato de longo prazo no mercado livre
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2009, Empresas, p. B1

Os grandes consumidores de energia, como indústrias e shopping centers, estão com dificuldade para renovar contratos de longo prazo com as geradoras. Desta vez, o problema não é a dúvida sobre a oferta de energia, que ameaçou o mercado livre em anos anteriores. A confusão agora está sendo causada pela crise econômica e a total falta de parâmetros quanto ao futuro comportamento da demanda.

Em outras palavras, é tamanha a incerteza sobre a duração e a intensidade da crise que poucos geradores têm se atrevido a assinar compromissos para depois de 2010. "A partir de 2011, nenhum gerador quer fechar contrato", observa o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Paulo Mayon. No início do ano passado, quando os reservatórios estavam secando e o PIB crescia a taxas superiores a 5%, o preço da energia para entrega em 2009, no mercado livre, estava sempre acima de R$ 150 por megawatt-hora (MWh). Nas últimas semanas, o valor de R$ 130 por MWh passou a ser uma espécie de teto informal para os contratos, de acordo com fontes do mercado.

Com o tombo da atividade industrial, setor em que a maioria das empresas faz parte do grupo de consumidores livres, há muita insegurança quanto ao volume de energia a ser comprado para os próximos anos. "Ninguém sabe se a crise tem formato de V ou de U", ilustra Mayon. Do lado dos geradores, o temor é fechar contratos com preços baixos neste momento e desperdiçar ganhos com valores bem mais altos com um eventual desequilíbrio entre oferta e demanda nos próximos anos, com a retomada do crescimento econômico. "A bússola que guiava o mercado quebrou."

De qualquer forma, a conjuntura atual é mais favorável aos compradores de energia do que aos vendedores. "Há um apetite na busca por novos contratos", diz João Carlos Mello, presidente da Andrade & Canellas, consultoria especializada no setor elétrico. O mercado, porém, é volátil e a situação pode mudar em pouco tempo. "No início do ano passado, havia um pânico geral", completa o executivo, lembrando um cenário nebuloso para os consumidores livres, em meio à explosão de preços, forte crescimento da indústria e temores de que a oferta de energia não seria suficiente para atender a renovação dos contratos de longo prazo.

Mello aponta dois outros fatores que estão aumentando a cautela na hora de fechar negócios. Primeiro, a descontratação de cerca de 15 mil MW entre o fim de 2012 e o fim de 2013. São contratos que os geradores fecharam em 2004 com as distribuidoras, no primeiro leilão de energia "velha" seguindo as regras do novo modelo do setor. É um grande volume de energia e ainda não está claro, segundo o consultor, como será feita a recontratação.

Em segundo lugar, mas não menos importante, é a proximidade do fim das concessões de muitas usinas hidrelétricas. Em 2015, vão expirar as concessões de usinas que totalizam quase 20% de todo o parque de geração e o governo ainda não decidiu se prorrogará os contratos - o que hoje não é possível - ou se fará nova licitação das hidrelétricas. "É uma incerteza danada", que traz insegurança a todos os lados, diz Mello.

Para atenuar o freio nos negócios e estimular o mercado livre, Mayon sugere que o governo mude a regulamentação do setor e permita a venda direta, entre empresas, de "sobras" não utilizadas de energia comprada por contratos de longo prazo. O presidente da Anace diz que a maioria das indústrias nas áreas de cerâmica, vidro, embalagens, autopeças e fabricantes de pneus sofreu um tombo na produção durante os últimos meses e tem grandes excedentes de energia contratada.

Hoje, essas sobras são negociadas na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e as transações (compra e venda de excedentes) são feitas com um único preço, o PLD, que muda todas as sextas-feiras. Na semana passada, para carga pesada, o valor do MWh era de R$ 84,39.

Consumidores livres e comercializadoras de energia fazem pressão para o governo liberar a negociação direta. "A liquidez vai gerar muito mais eficiência do que especulação", diz Mayon, antecipando-se às críticas. O assunto tem sido discutido com o Ministério de Minas e Energia. "Energia elétrica é o único produto que você pode comprar e depois não pode vender", diz o presidente da comercializadora Tradener, Walfrido Ávila.