Título: Risco cambial pode limitar novos cortes ousados nos juros
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2009, Finanças, p. C3

Além da inflação e da atividade econômica, um terceiro fator de risco ganha visibilidade nas decisões de política monetária: a sustentabilidade do balanço de pagamentos. A preocupação do Banco Central é evitar que cortes exagerados na taxa básica de juros levem a desvalorizações cambiais como as observadas recentemente na Nova Zelândia, na Coreia do Sul e no México.

Para o BC, esses episódios mostram que ainda há limites para as políticas adotadas pelos países emergentes para combater a desaceleração econômica. Segundo essa visão, seria arriscado simplesmente reproduzir as estratégias adotadas pelas autoridades dos países desenvolvidos.

Até o início do ano, os mercados financeiros mundiais ainda premiavam países que fizeram cortes agressivos na taxa de juros. O estímulo monetário era visto como virtuoso, e as taxas de câmbio de um bom número de países registrou apreciação.

O Brasil, nesse período, vinha com uma estratégia monetária mais cautelosa. Em dezembro, o BC manteve os juros em 13,75% ao ano, apenas sinalizando que, na reunião seguinte, marcada para janeiro, iria iniciar o ciclo de distensão monetária - como de fato ocorreu, com uma baixa de 1 ponto percentual (pp.) na taxa Selic. Na semana passada, o BC fez mais um corte, de 1,5 pp., derrubando a taxa básica para 11,25% ao ano. Mesmo quando cortou os juros, porém, o BC fez questão de lembrar que suas decisões futuras dependeriam das perspectivas inflacionárias.

A visão do mercado financeiro sobre países que cortam rapidamente os juros teve uma mudança importante em 29 de janeiro. Nesse dia, a Nova Zelândia fez um corte de 1,5 pp. na sua taxa básica, de 5% para para 3,5% ao ano, maior do que o movimento de 1 pp. esperado pelos analistas econômicos. O mercado financeiro reagiu negativamente, e nos dois dias seguintes a cotação do dólar neozelandês perdeu 3,2% de seu valor ante a moeda americana. Na sua reunião seguinte, em 12 de março, a Nova Zelândia promoveu um corte mais modesto na sua taxa básica de juros, de apenas 0,5 pp.

O México é outro país que, a despeito dos prognósticos sombrios para seu crescimento econômico, vem enfrentando problemas para baixar sua taxa básica de juros. Em 20 de fevereiro, o BC mexicano cortou os juros básicos em apenas 0,25 pp., de 7,75% para 7,25% ao ano, num movimento mais modesto do que o 0,5 pp. esperados pelo mercado financeiro. No comunicado divulgado após a decisão, o BC local sinalizou que receava depreciações adicionais em sua moeda, o peso, que poderiam pressionar a inflação.

A Coreia do Sul também teve que enfrentar, desde fins de 2008, o dilema entre cortar mais os juros, o que estimularia a economia mas geraria mais depreciação cambial, ou produzir estímulos monetários mais contidos, olhando um pouco mais a inflação e um pouco menos o crescimento da economia.

Anteriormente, esses três países - Nova Zelândia, México e Coreia - já tinham registrado depreciação de suas moedas, em virtude do cenário menos favorável para suas exportações e o corte das linhas internacionais de financiamento. Mais recentemente o que se viu foi uma nova onda de depreciação, ligada às decisões de política monetária e ao maior risco de inflação.

Para o BC, esses países são apenas um indicativo do que pode acontecer se a dosagem da redução de juros no Brasil for exagerada. A situação de cada país, porém, é diferente. O Brasil, por exemplo, tem uma volume de reservas internacionais mais alentado que o México e uma pauta exportadora mais diversificada, tanto em termos de produto como destinos. Os juros nominais no Brasil são mais altos e, por isso, é menos provável que haja uma fuga de investidores para outras moedas em resposta a uma redução da taxa básica.

O calcanhar-de-aquiles no Brasil é que, historicamente, o volume de importações tem uma forte correlação com o consumo e os investimentos domésticos. Se os cortes de juros produzirem um estímulo exagerado sobre a demanda, a tendência é uma forte alta das importações. Nessa hipótese, para as contas externas fecharem, será necessário aumentar também as exportações - que, por sua vez, são bastante dependentes do crescimento da economia mundial. Haveria limites para financiar um maior déficit externo em um ambiente internacional de bastante incerteza. Para fazer a conta fechar, o remédio seriam novas rodadas de depreciação do real, pressionando a taxa de inflação.

O BC já fez vários estudos que mostram como as importações são fortemente correlacionadas com a demanda doméstica. Um deles, divulgado em 2002, mostra que uma alta de 1% no consumo e investimentos leva a um aumento de 1,2% nas importações. Os cálculos são de que um aumento de 1% no comércio mundial leva a um aumento de 0,44% no volume exportado. No caso da taxa de câmbio, uma desvalorização de 1% leva a um aumento de 0,14% nos embarques.

O Banco Santander calculou, com outra metodologia e números mais recentes, o impacto do crescimento da economia nas importações. Pelos seus cálculos, no curto prazo, ou seja, no período de um trimestre, uma expansão de 1% na demanda doméstica levaria a um aumento de 2,1% nas importações. Num prazo um pouco mais longo, o efeito total nas importações chega a 3,3%.

O economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman, pondera que esse é apenas um cenário para a economia entre vários outros possíveis. "Esse cenário depende, em primeiro lugar, de que o estímulo monetário feito pelo BC vá de fato se transformar em aumento da demanda agregada", afirma o economista. "Há muita incerteza sobre como os cortes de juros vão chegar à atividade econômica."