Título: Mangabeira negocia plano para 2010
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2009, Política, p. A6

Depois de uma rodada de contatos com governantes no Nordeste e uma caravana com cerca de 20 integrantes do governo pela região, o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, acredita ter reunido condições para decidir, em abril, com os governadores nordestinos, um projeto capaz de influir na campanha pela sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mangabeira, que relata ter sido recebido com "entusiasmo e um justificado ceticismo" pelos governadores, cobra, do próprio governo, prioridade para um projeto nacional baseado no desenvolvimento do Nordeste brasileiro.

"Ao Nordeste convém suscitar grandes ondas, não convém ser bem-comportado", teoriza o ministro, que informa ter conversado com o presidente Lula sobre suas intenções. Os governadores da região devem unir-se em um projeto de Estado brasileiro, "não apenas para o governo Lula, mas capaz de sobreviver ao governo", defende. Diferente de iniciativas do passado, esse projeto apoiaria - e apontaria como modelo a ser reproduzido - iniciativas bem sucedidas de uso dos recursos da região, alvo de levantamento pela Secretaria de Assuntos Estratégicos.

"Não há solução para o Brasil sem solução para o Nordeste, onde estão muitas áreas pobres mas também algumas das iniciativas mais exemplares", diz Mangabeira. Os projetos bem-sucedidos que existem na região "não estão organizados numa estratégia que permita ao país ver no Nordeste uma vanguarda potencial do desenvolvimento brasileiro", critica ele.

Mangabeira lista algumas das ações exemplares que considera possível servir de modelo a outras iniciativas da região. Uma delas é a indústria têxtil de Seridó, na região do semi-árido no Rio Grande do Norte, que sobreviveu à decadência da cultura do algodão, de onde se originou. "Houve um surpreendente complexo industrial, longe dos grandes mercados consumidores, e longe da matéria-prima que é o algodão ", descreve. "A produção têxtil sobrevive com mínimo de crédito, sem acesso a nada, sem agenda institucional, mas com vitalidade, graças à sobrevida das capacitações criadas na antiga indústria do algodão".

A indústria têxtil em Caruaru onde convivem indústrias do século XX com produção artesanal semelhante à do século XVI na Europa é outro exemplo da capacidade empreendedora regional, menciona o ministro, que também se encantou com a apicultura desenvolvida em Picos, no Piauí. "Vimos lá uma indústria emergente de apicultura cooperativa com tecnologia concebida, desenhada e fabricada lá por gente que, em alguns casos, não tem nem sequer formação universitária", conta. "É um espontaneísmo tecnológico e inventivo quase totalmente desfalcado de instrumentos educativos", relata, acrescentando que a instalação de uma escola técnica deve trazer novo impulso à inovação local.

"Há milhares de Benjamins Franklins espontâneos", espanta-se o ministro. Ele afirma que o novo modelo empresarial e de desenvolvimento para a região deve se basear na união da inventividade encontrada na região com o espírito empreendedor de uma classe média não habituada a contar com o emprego público para melhorar de vida. O modelo elaborado na secretaria, com a consulta aos Estados e municípios, dependeria de colaboração com os governos locais, e seria baseado em um "ideário" criado a partir das experiências concretas, prevê.

A partir desse "ideário" formado em coordenação com governos locais, e das experiências-modelo identificadas nos municípios e Estados, o Nordeste apresentaria ao país um projeto "capaz de influir no debate da sucessão presidencial e construir uma ponte para o futuro governo, um projeto de Estado", imagina o ministro. Ele se diz "angustiado" com a pequena "janela de tempo" antes do ano eleitoral e do desenrolar da campanha presidencial. Sua intenção inicial de reunir os governadores em março teve de se adaptar à agenda política, que já previa uma reunião da Sudene no mesmo mês. Decidiu realizar a reunião em abril, em Natal, Rio Grande do Norte.

Embora Mangabeira seja o primeiro a chamar atenção para o "ceticismo" dos governadores e para a ausência de instrumentos efetivos ou orçamento no ministério que dirige, políticos do Nordeste já saúdam a ênfase do ministro por uma política para o Nordeste. Na semana passada, o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) discursou em plenário para elogiar o projeto.

Mangabeira diz que as políticas para o Nordeste ameaçam concentrar-se em iniciativas para o litoral e o cerrado, deixando ao semi-árido apenas políticas de compensação da pobreza, o que, na opinião dele, seria "uma calamidade social". A ausência de tradição escravocrata gerou na região uma classe média empreendedora e assalariados ativos na busca de empregos, que podem sustentar programas baseados nos exemplos bem-sucedidos, acredita Mangabeira. O "empreendedorismo emergente" deve ser apoiado com novos instrumentos financeiros (como hedge agrícola para pequenos e médios agricultores), facilidades jurídicas e apoio tecnológico, com participação do Estado onde não for possível a coordenação das iniciativas num modelo exclusivamente privado.

O projeto que Mangabeira quer aprovar em abril com os governadores inclui também mudanças na educação, para substituir a formação do ensino médio e técnico tradicionais por conhecimento e capacitações "flexíveis e genéricas". Os grandes projetos deveriam ser escolhidos com base em vantagens competitivas da região que não se resumam ao baixo custo de mão de obra, e seria dada prioridade a obras de infraestrutura capaz de conectar a região, como estradas, interligação de rios e estímulo a aviação regional.

"Pretendo falar não apenas pelo governo, mas pela construção desse conjunto de aspirações nacionais, de um projeto nacional", explica o ministro. "A primeira condição é o Nordeste ficar de pé, não de joelhos pedindo isso ou aquilo e apresentar sua causa como uma causa nacional".