Título: Desindexar a poupança para auxiliar a política monetária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2009, Opinião, p. A10

Na discussão sobre o corte na taxa básica de juros, o Comitê de Política Monetária (Copom) esbarrou num problema: uma queda mais acentuada da taxa básica de juros, a Selic, superior ao 1,5 ponto percentual decidido pelo comitê na quarta feira, já tornaria a caderneta de poupança mais rentável que as aplicações financeiras em fundos de investimentos.

Os efeitos de uma assimetria dessa natureza são graves. Além de incentivar uma migração maciça de recursos dos fundos de investimentos para as cadernetas, criando desequilíbrios no sistema bancário, o desbalanceamento de rentabilidade dificultaria a colocação de títulos públicos no mercado - os fundos são o destino natural da maior parte desses papéis -, com danos à política de rolagem da dívida pública mobiliária. Haveria ainda alguma perda de arrecadação do dinheiro que migrasse em direção à poupança.

A poupança hoje é corrigida por uma taxa de juros fixa mensal de 0,5% e pela Taxa de Referência (TR), que é de 0,1071% (entre 11 de março e 11 de abril), além de se beneficiar da isenção do Imposto de Renda. Isso significa que em 12 meses a caderneta recebe cerca de 7,5% de rentabilidade. Conforme a taxa de administração cobrada pelos bancos para os fundos de investimentos, ela já deve estar mais competitiva.

Esse é um dos últimos resquícios de indexação de ativos financeiros, que permaneceu por força de lei (lei 8.117/91, do Plano Collor) e que continuou mesmo após a desindexação patrocinada pelo Plano Real. Enquanto os juros estavam em patamar muito elevado, isso não se configurava um problema. Com a queda da Selic e dos juros de mercado, os limites apareceram.

A mudança do sistema de remuneração das cadernetas, se for levada adiante, terá que ser aprovada num prazo de até 45 dias para abrir espaço para nova queda da Selic, na próxima reunião do Copom (dias 28 e 29 de abril), conforme argumentos de fontes governamentais. Porém, não será nada fácil o governo arrancar essa alteração do Congresso, visto que a regra de remuneração da poupança é considerada uma instituição nacional e deverá haver resistências fortes dos parlamentares, geralmente refratários a temas impopulares. E este afeta os milhares de pequenos poupadores no país.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, esteve com um grupo de senadores da comissão de acompanhamento da crise global e seus efeitos no país, na manhã de quinta-feira, e introduziu o problema. Saiu de lá ciente de que não será simples obter apoio em uma questão que é um verdadeiro tabu para os políticos. Esse também foi o tema do encontro de Meirelles e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa reunião convocada fora da agenda pelo presidente, na noite de terça-feira, dia 10, antes, portanto, da reunião decisiva do Copom.

Após 18 anos do Plano Real e de uma política de controle da inflação razoavelmente bem sucedida, porém, já seria hora de avaliar a possibilidade de arriscar novos passos. Não é apenas a caderneta de poupança que ainda vive num regime de indexação. A economia brasileira, ao longo de todo esse período, permaneceu parcialmente indexada.

Os preços administrados e monitorados (serviços públicos, transportes, planos de saúde, pedágios) ainda são, em sua maioria, atrelados à variação do Indice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI da FGV). Esses preços respondem por cerca de 30% do IPCA e, de tempos em tempos, por incorporar a inflação do passado, acabam representando uma trava para a queda da inflação. Embora não explique tudo, a indexação deve ser responsável pela rigidez de preços que fez com que, mesmo desabando o nível de atividade econômica como se viu no último trimestre de 2008, a inflação tenha se mantido firme no patamar de 5,9%.

Mesmo que medidas mais ousadas nessa direção não sejam aconselháveis nesse momento de crise, completar a desindexação da economia brasileira não deve ser visto como um tabu. Ao contrário, é um avanço necessário se o país quiser ter, mais adiante, quando o mundo voltar à normalidade, taxas de inflação mais baixas que as obtidas nos anos da consolidação da estabilidade.