Título: União enfrentará Estados no STF
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2005, Brasil, p. A4

As maiores batalhas jurídicas da União no Judiciário em 2005 serão travadas contra os Estados. Sem distinção do partido do governador, todos têm ações em tramitação nos tribunais brasileiros para impedir o pagamento de dívidas com o erário ou aumentar os valores a serem repassados aos cofres estaduais. Relatório elaborado pela secretaria-geral de contencioso da Advocacia Geral da União (AGU), ao qual o Valor teve acesso, enumera as ações mais importantes. Além do poder público estadual, as empresas privadas também aparecem no topo da lista de litigantes. Apenas com o cálculo dos processos com valores já previstos, a soma do prejuízo da União poderá chegar a R$ 50,1 bilhões em caso de derrotas judiciais. Mas existe uma coleção de outras ações, nos quais os prejuízos são classificados pela AGU como incalculáveis. O relatório elencou as 71 ações mais importantes em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). Os processos podem ser classificados em três grandes grupos temáticos: os financeiros, os relacionados à organização administrativa do poder público e os questionamentos às políticas públicas. "Não há relevância maior entre esses temas. Todos têm prioridade", analisa o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro Costa. "Não se pode dizer que há diferença entre a importância de mandados de segurança referentes à reforma agrária, das questões relativas aos processos que questionam os modelos do setor elétrico ou do petróleo", diz Ribeiro Costa. Onze Estados são autores de 14 ações, nas quais reivindicam correções no repasse de verbas da União para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). Correções monetárias e juros são cobrados para engordar os valores devidos pela União ao Fundo. Se a AGU não convencer os ministros do Supremo da improcedência do pedido, a União terá de arcar com R$ 9 bilhões reivindicados pelos Estados. Outro julgamento importante será o do processo no qual o Paraná pede R$ 20 bilhões à União como ressarcimento de todas as despesas com a construção da Estrada de Ferro Central do Paraná. A União tem cinco votos favoráveis na análise do caso, interrompida depois de pedido de vista do ministro Marco Aurélio. A AGU já conseguiu cinco votos a favor do governo federal. Preocupa também o julgamento sobre o crédito do Imposto sobre Produtos industrializados (IPI) na compra de matérias-primas tributadas sob alíquota zero. O ministro Cezar Peluso pediu vista do processo no ano passado. A União já assegurou os seis votos suficientes. As perdas seriam de R$ 20,9 bilhões. Ainda assim, a AGU acompanha o caso de perto. O lobby dos Estados é fortíssimo junto aos ministros da corte. A demora em recolocar o processo a julgamento é considerado pela AGU como sinal de que a pressão é grande. O forte lobby, se não interfere no entendimento dos ministros, os faz analisar mais demoradamente as ações. Outro caso observado pela AGU é a ação direta de inconstitucionalidade nº 3059. O PFL move processo contra o Rio Grande do Sul por conta de legislação estadual que prevê a adoção de software livre. A tese a ser aceita pelo STF poderá influenciar na iniciativa da Casa Civil de adotar, na administração pública, o uso de programas de computador grátis. Hoje, o governo gasta R$ 200 milhões anualmente na aquisição de softwares. Ribeiro Costa tem sistemática definida para a análise desses grandes temas do Supremo. "Há uma rotina padrão de procuração de memoriais. E, quando o processo está próximo do julgamento, se acende a luz amarela", explica. "Nada deixa de passar por uma discussão com a minha equipe." Ribeiro Costa diz que o volume de processos contra a União tem diminuído nos últimos anos. "É um passivo de contingente que vai sendo saneado. O governo Lula não fez nenhuma alteração radical que provocasse uma epidemia de ações", conta. Ele lembra dos grandes esqueletos gerados por antigos planos econômicos. O relatório alerta o procurador-geral para quatro ações classificadas como de "potencial lesivo imenso" para os cofres da União. Bahia, Rio de Janeiro e Ceará pedem a alteração do cálculo da Receita Líquida Real dos Estados. Reivindicam que as verbas destinadas à saúde, à educação e ao Fundo de Combate à Pobreza sejam descontadas do montante ao qual incide o cálculo da verba a ser repassada pelos Estados à União para o pagamento das dívidas. Em outras ações, Maranhão e Sergipe pedem o mesmo desconto no cálculo. Dessa vez, em relação às verbas repassadas ao Fundo Social de Emergência. Os mesmos maranhenses pedem maior repasse da União para o Fundo de Participação dos Estados. Em todos esses casos, se o Estado autor da ação sai vitorioso, o privilégio será estendido quase que automaticamente a todos os demais Estados da federação. "Se houver derrota, a União terá de buscar recursos e os programas de investimentos ficam comprometidos. Mas, fatalmente, o saldo devedor terá de ser renegociado. É uma tentativa de os Estados jogarem essas dívidas para governos futuros", explica Ribeiro Costa. O advogado-geral é bastante criticado pela demora em editar súmulas administrativas. No primeiro ano de mandato, ele não editou nenhuma súmula, documento no qual o AGU determina a suspensão dos recursos da União em um determinado tema. O dispositivo é importante para evitar que os defensores públicos recorram em casos com jurisprudência pacificada nos tribunais superiores. Só agora a AGU começou a editar súmulas em ritmo mais acelerado. Ribeiro Costa faz discurso afinado com a política econômica do governo para justificar o zelo na edição das súmulas. "O Brasil trabalha com um regime orçamentário e as súmulas devem obedecer à questão financeira", diz. Ele revelou que sempre negocia com os ministérios da Fazenda e do Planejamento antes de editar uma súmula. "Se edito uma súmula para determinar o pagamento de um direito, preciso saber se há dinheiro suficiente para isso."