Título: Lula faz nova tentativa de reforçar coalizão
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2005, Política, p. A8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entra na reta final das negociações para a sua segunda reforma ministerial com seu modelo de gestão esgotado. Rompendo a tradição seguida desde a redemocratização, Lula manteve por dois anos uma equipe ministerial que não segue a proporção das forças governistas na Câmara dos Deputados. Privilegiou o uso do governo para atender às diversas correntes do PT. É a primeira vez, desde 1985, que um partido com menos de 20% do Congresso tem a maioria absoluta dos postos no governo e a reforma ministerial do ano passado atenuou, mas não resolveu o problema. Os petistas hoje controlam 18 das 34 pastas. A baixa representação da base aliada no ministério de Lula só encontra paralelo na primeira equipe montada no governo Collor. Naquela ocasião, o então presidente optou por montar uma equipe formada por personalidades públicas, amigos e tecnocratas, com uma participação muito pequena de representantes de partidos políticos. Sua equipe formada para a posse tinha apenas três dos nove ministros civis filiados a partidos: os pefelistas Alceni Guerra (Saúde) e Carlos Chiarelli (Educação) e o da Agricultura, Joaquim Roriz, filiado na época ao nanico PTR, já extinto. O resultado foi o colapso da relação entre o Executivo e o Legislativo. Collor enviou um pacote de propostas que reformulavam o Estado, chamado de "emendão", que foi engavetado pelos congressistas. Permitiu que fossem eleitos para a presidência da Câmara e do Senado dois pemedebistas, partido oficialmente na oposição. Entre janeiro e março de 1992, semanas antes de começar a crise que resultaria em seu impeachment, fez uma reforma ministerial abrindo espaço para a sua base, formada por partidos conservadores. Mas já era tarde. Em termos de ocupação do espaço político por uma só força, Lula só perde para as equipes ministeriais formadas por Tancredo Neves e José Sarney. Na equipe formada por Tancredo, apenas um ministro civil, Francisco Dornelles (Fazenda), na época ainda era um técnico sem filiação política. A diferença é que nos anos 80 o PMDB detinha a maioria absoluta no Legislativo, ao contrário do que acontece com o PT.

"A questão é tornar o partido mais coeso ou a base governista mais unida", diz cientista político

O governo Lula está muito longe da fragilidade política de Collor, mas tornou-se o primeiro na história do país a engajar-se na eleição para a presidência da Câmara e ser derrotado. Segundo cientistas políticos, um produto da opção por não construir maioria no parlamento através de participação na equipe governamental. "Durante a votação das reformas, já ficava claro que o governo federal ganhava as votações, sem incorporar os aliados na administração. O governo de coalizão era virtual. Equiparar o PMDB ao PCdoB na quantidade de ministérios e excluir o PP resultou na eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara. Se é para ter um partido que não apoiou a eleição do atual presidente na base governista, é preciso que ele seja incorporado na equipe", afirma o professor Carlos Ranulfo de Melo, da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo o acadêmico, Lula chega ao começo desta semana diante de um dilema. "A questão é tornar seu partido mais coeso ou a base governista como um todo mais unida. A segunda alternativa é menos arriscada para o presidente. O PT não tem alternativas para extravasar sua insatisfação em 2006. Os demais partidos têm: voltarem-se para a oposição", disse Ranulfo. A vitória de Severino, de acordo com o pesquisador, representou um sinal de alerta. "Este resultado não teve o caráter de uma revolta do baixo clero. Se tivesse este significado, Severino teria sido eleito com a reforma do regimento da Casa como o ponto principal da sua plataforma, e não foi isso o que aconteceu. Não há 300 deputados brasileiros no baixo clero.", afirmou Ranulfo.

Primeiro conjunto de ministros formado por Lula representava apenas 36,4% das cadeiras no Congresso

O novo presidente da Câmara, de acordo com Ranulfo, não enfraquece as lideranças partidárias, que continuam escolhendo os integrantes das comissões e intermediando a liberação de emendas parlamentares sem que Severino tenha como assumir este papel. Para o pesquisador, Lula montou uma base governista bastante ampla, com nove partidos, sem que houvesse um compromisso real da maior parte das siglas com o sucesso político do governo. "As instituições tradicionais de poder na Câmara permanecem fortes e parte delas proporcionou a vitória de Severino como uma maneira de derrotar o governo", disse. Cientista política da Unicamp e autora de estudos em que analisa a representação dos partidos nas equipes ministeriais e no Congresso, Rachel Meneguello afirma que o predomínio petista na primeira fase do governo era previsível. "O PT sempre mostrou um componente de organicidade partidária que os partidos que compuseram a base governista das administrações anteriores não dispunham, sobretudo as que tinham o PFL ou o PMDB como a principal sigla de apoio. Isto fez com que o partido tivesse uma estratégia própria de ocupação de espaços", afirma. Nos governos Fernando Henrique, o PSDB manteve participação maior que o PFL, mesmo sendo superado pelo parceiro de aliança no Congresso. Ainda assim, em uma proporção muito distante da do PT no governo Lula. A pesquisadora da Unicamp afirma que a ocupação de espaço praticada pelo PT ocorreu de forma análoga na Europa, nos países em que a esquerda chegou ao poder depois de longo tempo na oposição, como na França e na Espanha. Em ambos os casos, houve um tensionamento na relação entre governo e partido que também ocorre no Brasil. A diferença com o caso brasileiro é a maior divisão de forças partidárias no Congresso. "Depois de dois anos, está clara a necessidade de privilegiar no governo a negociação com o Legislativo. Este é um dos braços da governabilidade", disse. A pesquisadora lembra que o governo federal já deu um passo neste sentido na primeira reforma ministerial, ao incorporar o PMDB em sua equipe. O primeiro conjunto de ministros formado por Lula representava apenas 36,4% das cadeiras no Congresso. Em janeiro do ano passado, Lula diminuiu ligeiramente o predomínio de seu partido: retirou o PDT do ministério, fez o PT ceder a pasta da Previdência Social para o PMDB, tirou a coordenação política das mãos petistas para o PC do B e extinguiu a pasta de Segurança Alimentar, também do PT. A nova reforma deverá ter duplo sentido: espera-se no Congresso que o PT ceda novas pastas para acomodar as forças políticas aliadas. Mas em contrapartida, os petistas pressionam para retomar a articulação política.