Título: Chávez expropria poder da oposição nos Estados
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Fonte: Valor Econômico, 17/03/2009, Internacional, p. A10

Desde que a oposição conquistou o governo de cinco Estados e a prefeitura de Caracas, o presidente venezuelano Hugo Chávez tem se empenhado sistematicamente em retirar-lhes todo o poder. Ontem, Chávez determinou que portos e aeroportos situados em regiões administradas por seus opositores passem ao governo federal. A Marinha deve tomar esta semana o controle dos portos de Maracaibo, no Estado de Zulia, e de Puerto Cabello, o mais movimentado do país, situado em Carabobo. O "confisco" envolverá também estradas e é uma questão de tempo até que os Estados oposicionistas sejam asfixiados por perda de receitas e pressões políticas.

Desta vez não se trata apenas de acertar as contas com o passado - a vitória oposicionista que lhe deu o direito de gerir a máquinas administrativas que regem 45% do eleitorado venezuelano -, mas de intimidações explícitas para impedir o progresso de seus oponentes nas eleições legislativas de 2010. A representação política da oposição é hoje inexistente, graças a sua anterior opção pelo golpismo, abertamente esposado pelas facções que protagonizaram a fracassada aventura militar para derrubar Chávez em 2002, e a uma preferência por saídas suicidas. As oposições boicotaram a eleição para o Parlamento, uma estratégia que seria viável se executada em uma posição de força. Não era o caso e o brutal erro de avaliação deixou todo o Legislativo nas mãos dos chavistas, sem arranhar o até então intocado prestígio do presidente.

Muita coisa mudou de lá para cá. Chávez foi derrotado em sua primeira tentativa de revisar a Constituição e acabar de vez com as aparências de democracia no país, em 2007. Em 2008, perdeu o controle dos Estados mais populosos e da capital, Caracas. Houve uma união dos vários partidos oposicionistas, que foram à disputa com candidatos únicos. E agora a aura de Chávez já não é tão poderosa diante de uma crise, já que os enormes gastos patrocinados pelo governo não cabem mais nas receitas francamente cadentes do petróleo.

Com os ventos econômicos soprando contra si, Chávez tentou novamente, e com sucesso, garantir para si a eleição ilimitada. No campo político, sua meta seguinte é desmoralizar a oposição, pois um avanço significativo no pleito legislativo daria a ela uma bancada que, mesmo sem ser majoritária, emperraria a máquina de dizer sim em que se transformou o Congresso inteiramente chavista. Foi um Congresso assim que aprovou na sexta-feira a legislação que dá direito ao governo de expropriar a infraestrutura das províncias. Chávez, que também governava com poderes especiais, já havia feito algo parecido ao surrupiar hospitais, cadeias de TV e escolas da prefeitura de Caracas e de alguns Estados governados pela oposição. As justificativas de Chávez para seu último ato tornam claro seu objetivo. Os portos sob a administração de seus adversários teriam se transformado em ninhos para negócios tenebrosos das "máfias regionais". A insinuação é a de que os atuais governadores compactuam com o crime organizado e são cúmplices dele.

Enquanto a expropriação retira as receitas estaduais, literalmente tirando os meios de a oposição governar, as difamações visam abrir caminho para que os governadores sejam alvos de futuras ações de despejo. Chávez, com seus poderes especiais, pode redividir a seu bel prazer a geografia política da Venezuela, estabelecendo novos indicados para comandar as regiões criadas e deixando os governadores eleitos sem qualquer poder de fato.

Enquanto aperta o cerco à oposição, o presidente voltou à carga contra as "oligarquias". Ele expropriou a Cargill, sob o argumento de que a empresa não estaria cumprindo com as determinações do congelamento de preços, que dita proporção que os produtos tabelados tem de ocupar nas linhas de produção. O congelamento faz água, vítima da política simultânea de estímulo ao consumo e contenção da inflação, que já ultrapassa os 30% ao ano. Há sérias dúvidas se Chávez saberá encarar de frente seus desafios e reorientar a economia para uma era de receitas e gastos menores. O presidente sabidamente prefere pirotecnias e, em algum momento, elas não serão suficientes para impedir a eclosão de uma grave crise econômica, que pode lhe custar muito caro.