Título: Cabral perde controle sobre PMDB e vive inferno astral no governo
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2009, Política, p. A5
A um ano e meio da sucessão estadual, à qual já se declarou candidato à reeleição, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), vive seu inferno astral. Enfrenta queda de popularidade - apenas um terço dos fluminenses aprovam sua gestão - e é incapaz de unificar a base de apoio federal no Estado ao seu favor.
Os pemedebistas do Rio, os mesmos que travam ávida disputa pelas nomeações federais, estão na origem dos percalços da administração Cabral. A presidência da Assembleia Legislativa e a poderosa Secretaria de Habitação são ocupadas por pai e filho - Jorge e Leonardo Picciani. Juntos, têm mais ascendência sobre o PMDB do que o governador. A deteriorada relação com o Legislativo estadual é simbolizada pelos sucessivos vetos de Cabral já derrubados pela Assembleia, que dá vazão à insatisfação dos deputados estaduais e prefeitos do interior com a perda de apadrinhados e o rigor fiscal impresso pelo secretário de Fazenda, Joaquim Levy, o duro ex-secretário do Tesouro Nacional.
O projeto da família Picciani é levar o deputado estadual Jorge ao Senado em 2010. Para isso, além do comando sobre o PMDB fluminense, a família também cresce em influência no governo estadual. O deputado federal Leonardo Picciani tem na secretaria alguns projetos do PAC no Estado que somam cerca de R$ 100 milhões, mas serão as obras previstas no plano de habitação popular do governo federal que darão peso político ao novo secretário.
Ele quer ficar com 10% do projeto federal, o equivalente à construção de cerca de 100 mil unidades habitacionais no Estado. O dinheiro virá do Fundo Nacional de Habitação Interesse Social, fundo federal cujas receitas saem do FGTS e do FAT. "São cerca de R$ 4 bilhões até 2010", diz Picciani. A quantia chega a superar o valor previsto para as obras do PAC no Estado, de R$ 3,6 bilhões. "Eu mesmo aconselhei ao Cabral que era uma boa ideia a minha saída. Com o Picciani candidato ao Senado, seria bom ter base de apoio operacional com o filho, que já tem experiência política", disse o deputado estadual Noel de Carvalho (PMDB), secretário de Habitação entre 2007 e 2008.
O agora secretário foi um dos protagonistas do atraso da votação da prorrogação da CPMF no Congresso, quando foi relator da CCJ. Em conjunto com o deputado federal Eduardo Cunha, líder da bancada do PMDB do Rio na Câmara, ele postergou o quanto pôde o andamento do assunto até que o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde (PMDB) tivesse sua indicação aprovada pelo governo federal para a presidência da estatal Furnas, em 2007. Um dos muitos projetos de Picciani é a ampliação de Nova Sepetiba, conjunto habitacional inaugurado em 2001, no governo Garotinho. O projeto foi alvo de denúncias de irregularidades na licitação que acabaram afastando do cargo de presidente da Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab), vinculada à secretaria, nada menos que Eduardo Campos.
Atualmente, Jorge Picciani é visto como mais poderoso que Cabral por políticos locais e é bem afinado com Cunha desde os tempos do ex-governador Anthony Garotinho (PMDB). Na Alerj, embora o governo tenha a maioria da bancada, o descontentamento, especialmente do PMDB, não é segredo. Acostumada com verbas mais generosas nos governos anteriores, de Garotinho e da mulher, Rosinha Matheus, os deputados mostraram animosidade com o governador quando, em novembro do ano passado, derrubaram cerca de 50 vetos do Executivo a leis aprovadas na Casa. Outra reclamação recorrente entre os deputados diz respeito ao fim das indicações em cargos, como as inspetorias de fiscalização tributária, as diretorias de escolas públicas e as delegacias de polícia. "O Cabral implementou um modelo novo e criou muita resistência por conta dos governos anteriores. A cultura que existia era de atendimento pelas secretarias às bancadas", afirmou o deputado estadual Edson Albertassi, do PMDB.
Para o secretário estadual de Fazenda, Joaquim Levy, a regra do governador é simples. "Ele nomeia o secretário e escolhe seus auxiliares de maneira técnica. Eu tenho seguido essa orientação", disse. Levy ressalta que os gastos de custeio chegaram a aumentar e que os investimentos não caíram. "Talvez agora os gastos estejam mais sistematizados e as emendas tenham maior grau de coerência em relação ao planejamento do governo."
Para o cientista político Carlos Eduardo Sarmento, Cabral não conseguiu consolidar liderança no PMDB nos dois primeiros anos de mandato. "Quem tem controle sobre a bancada é o Picciani", diz. O governador tampouco conseguiu neutralizar o poder de Garotinho, que ainda tem influência sobre parte da bancada do interior. Picciani e Garotinho teriam mais deputados aliados do que o próprio Cabral.
Para completar o inferno astral de Cabral, muitas pré-candidaturas ao governo têm aparecido. A que mais o incomoda é a do prefeito reeleito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, do PT. Em evento recente no interior do Estado, Cabral, irritado, chegou a ameaçar Lindberg por conta da candidatura. Aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cabral quer ter o apoio do PT integralmente à sua candidatura sem que a candidata do governo, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, tenha que dividir o palanque com os dois concorrentes. "Sou candidato mais do que nunca, o Cabral quer que eu me retire agora, mas eu não abro mão nem o PT abre mão", afirmou Lindberg.
O governador teria se reunido com o presidente executivo do PT, Ricardo Berzoini, e com José Dirceu, para articular as pretensões eleitorais de Lindberg.
Até a popularidade de Cabral anda cambaleando. A aprovação de seu governo, que estava em 39% em dezembro, passou para 32% segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS) feita na semana passada. No início deste mês, o governador perdeu o estilo cordial ao chamar de "deboche" a decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de liberar o aeroporto Santos Dumont a voos além da ponte Rio-São Paulo. Cabral era contra porque defende a revitalização e a privatização da gestão Galeão. Até o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, entrou em conflito com o governador, ao defender a prática do bico pelos policiais devido aos baixos salários.
O último sinal do enfraquecimento político de Cabral foi a denúncia do ex-prefeito Cesar Maia contra a mulher do governador, Adriana Ancelmo. Maia acusou o escritório de advocacia do qual a primeira-dama é sócia de representar interesses cruzados ao defender causas de empresas em litígio com o Estado.