Título: Casa própria em SP é bandeira de Serra
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Fonte: Valor Econômico, 23/03/2009, Política, p. A5

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB) está decidido a não fazer nenhuma redução no ICMS de produtos ligados à construção, como espera Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil e coordenadora do programa federal de habitação popular que deve ser lançado esta semana. Serra tem evitado afirmar publicamente que é contra as concessões tributárias previstas no projeto, mas já deixou claro aos seus secretários ligados às áreas econômica e habitacional que não cederá aos pedidos do Planalto. O governador paulista deve ser um dos poucos a não apoiar financeiramente o alardeado plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de construir um milhão de casas até 2010 e, por isso, quer evitar ao máximo que sua decisão ganhe conotação política em um momento de pré-campanha.

A justificativa será a de que nenhum outro Estado destina tantos recursos do ICMS para a habitação. Nas próximas semanas o governador pretende tornar cada vez mais públicos os números do programa habitacional paulista, que tem previsão de entregar cerca de 120 mil casas durante os quatro anos de seu mandato. Em São Paulo, 1% do ICMS arrecadado é destinado ao CDHU, que constrói as casas populares no Estado. Ao longo do ano passado cerca de R$ 800 milhões provenientes do tributo foram transferidos para a habitação. "Ele vai usar esses números para mostrar que São Paulo já faz a parte dele, que não é contra o projeto do Lula", diz um colaborador próximo do governador.

Na verdade, Serra pretende ir além. Mais do que tentar passar a imagem de um governador que não coloca os projetos políticos pessoais à frente dos interesses coletivos, o pré-candidato do PSDB à sucessão de Lula pretende mostrar que o projeto do governo federal é, na verdade, uma cópia do seu plano de habitação. O governador já instruiu seus secretários a adotar esse discurso e sempre reiterarem que São Paulo está aberto para colaborar com Brasília. "A recomendação do governador é de contribuição absoluta, estamos abertos para mostrar nossa experiência e ficamos felizes que eles estão utilizando ideias que deram certo aqui", afirma o secretário de habitação do Estado, Lair Krähenbühl.

Realizado às pressas e sem o tempo necessário para suas aspirações, de fato o projeto habitacional do governo federal vem buscando inspiração em várias experiências paulistas. A proposta que Dilma pretende enviar ao Congresso para reduzir os custos cartoriais de legalização de residências para famílias de baixa renda segue o modelo recém implantado em São Paulo. Batizado de Cidade Legal, o projeto paulista, aprovado no final de 2008 na Assembleia Legislativa, reduziu em até 90% os custos de registro e legalização de imóveis que se enquadram na categoria de Interesse Social.

O governo de São Paulo também pretende capitalizar politicamente um dos principais pontos de sustentação do projeto federal: o fundo garantidor, que foi recém implantado em São Paulo. Apesar de terem diferenças pontuais, os dois seguem o mesmo princípio de criar um colchão de recursos que dê garantias aos agentes financeiros de que os mutuários, muitos deles provavelmente nem mesmo bancarizados, não oferecem risco às operações de empréstimo financeiro.

É exatamente no fundo garantidor que os governos paulista e federal divergem. Em ano pré-eleitoral, Serra condicionou uma participação mais efetiva no programa de Dilma se o governo aceitasse transferir recursos diretamente para o fundo garantidor paulista. Com isso, a seleção de projetos, sua localização física e boa parte da burocracia para a concessão do crédito passaria pela Secretaria de Habitação Paulista. Dilma já afirmou que todo o processo será centralizado e que os Estados não teriam acesso direto aos recursos. Foi a partir dessa decisão que Serra descartou a redução do ICMS.

A queda de braço entre Serra e Dilma por conta do projeto habitacional tem razões políticas bastante concretas. Em um país com um déficit de 8 milhões de residências, oferecer casas a preços módicos à população de baixa renda é certeza de retorno eleitoral. Poucos bens no país são tão cobiçados quanto a casa própria, principalmente junto às populações periféricas das grandes metrópoles, foco principal do programa. "Cerca de um terço da população brasileira tem como principal aspiração a casa própria", afirma o cientista político e consultor de campanhas tucanas, Antônio Prado. "Não importa se o governo diz que vai construir um milhão e só entrega 500 mil, o capital político de um programa como esse é enorme", diz.

O alívio tributário por parte dos Estados - e também dos municípios - é ponto fundamental para que o governo consiga conceder subsídios relevantes, principalmente para a parcela da população que ganha de zero a três salários mínimos, o principal alvo do programa habitacional. A estimativa das empresas do setor é de que os tributos estaduais e municipais representem cerca de 8% do custo total de uma casa popular. A União tributa até 7% do valor das residências por meio de um Regime Especial de Tributação (RET) para o setor, que acumula impostos como o Pis, Cofins, a Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL) e o imposto de renda de pessoa jurídica.

Até meados de março o Planalto afirmara categoricamente que não mexeria na RET. Ou seja, as concessões tributárias ficariam apenas por conta dos Estados e dos Municípios. A grita de governadores, principalmente aqueles de oposição, foi grande por conta de que o Planalto colheria os louros políticos com recursos de terceiros. Após pressões políticas e também orçamentárias, o governo informou às empresas do setor que vai recuar da posição de não mexer na RET. De 7%, a tributação federal deve cair para 0,5% ou 1%. "A maior parte dos governadores não pode correr o risco de se colocar contra um plano de construir um milhão de casas, mas o Serra tem o trunfo de já ter um projeto próprio, que anda sozinho", afirma um aliado do governador de São Paulo.

Na prática, a ausência de São Paulo no programa não vai tirar o Estado do mapa das casas a serem construídas. Apenas vai encarecer seu custo, exigindo desembolsos maiores da União ou do mutuário.