Título: Sindicatos preparam protestos anticrise da Argentina ao Canadá
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2009, Internacional, p. A9

Da Argentina ao Canadá, passado pelo Brasil e EUA, sindicatos de trabalhadores promovem a partir desta semana uma série de mobilizações, protestos e conferências contra os efeitos da crise financeira nas Américas.

A iniciativa se assemelha à dos sindicatos europeus que têm levado desde o início do ano milhões de pessoas às ruas para cobrar dos governos medidas que protejam empregos, salários e direitos sociais durante o período da recessão mundial.

Os atos envolvendo os trabalhadores latino-americanos e norte-americanos estão sendo encabeçados pela Confederação Sindical das Américas (CSA), mega-organização criada no ano passado como fruto da fusão de duas grandes entidades sindicais da região. Financiada por contribuições sindicais das organizações filiadas e doações de alguns países europeus, entre eles Espanha, Dinamarca e Alemanha, a CSA diz representar cerca de 50 milhões de trabalhadores no continente e contar com 67 organizações associadas. No Brasil, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical e União Geral dos Trabalhadores (UGT) estão vinculadas à confederação.

As atividades devem ocorrer entre os dias 27 e 1º de abril. No Brasil, os atos devem se concentrar no dia 30. Ao contrário do que houve na França, que na semana passada enfrentou sua segunda greve geral só este ano, não há paralisações previstas na agenda da CSA. "Estamos chamando as entidades a fazerem mobilizações, protestos e conferências sobre os efeitos da crise para chamarem a atenção para a questão dos direitos sociais dos trabalhadores. Por enquanto não falamos em greve. Mas isso é só o começo", disse ao Valor o secretário-geral da CSA, o paraguaio Víctor Báez Mosqueira, da sede da entidade, no centro de São Paulo.

A particularidade da campanha da CSA no continente americano é que muitos dos governantes atuais - de Barack Obama a Hugo Chávez, de Luis Inácio Lula da Silva ao paraguaio Fernando Lugo - foram eleitos com apoio explícito de sindicatos e centrais que agora começam a pressioná-los por conta da crise. "Para as entidades sindicais é sempre melhor dialogar com governos progressistas do que com governos de direita", diz Mosqueira. "Mas isso não significa que vamos dar um cheque em branco para governos que ajudamos a eleger. Vamos empurrá-los para o que eles se comprometeram."

A maior preocupação da confederação é que diante da crise, governos do continente acabem adotando um receituário liberal, como flexibilização das relações trabalhistas, terceirizações, redução de gastos públicos e alterações no sistema previdenciário.

Nos anos 90, governos neoliberais seguiram algumas dessas lições e agravaram a crise social, acentuando a desigualdade diz Mosqueira. "Agora essas ideias voltam a ser defendidas por setores conservadores como solução para a crise financeira."

"Para os neoliberais, para o FMI, Bird o fim da crise seria o retorno à situação de 12 meses atrás, com a diferença que querem mais limites para a questão financeira", diz o dirigente. "Para nós, no entanto, antes da crise financeira já havia outras crises, a social, a alimentar, a energética e a ambiental que precisam ser enfrentadas."

A CSA é o braço continental de outra gigantesca entidade sindical, a Confederação Sindical Internacional (315 centrais filiadas e à frente de 180 milhões de trabalhadores). As duas partilham das mesmas propostas para a fazer frente a crise. Entre elas, investimentos públicos voltados ao emprego, serviços públicos de qualidade, reforma no sistema financeiro, controle da remuneração dos altos executivos, financiamentos públicos para projetos de desenvolvimento e garantia de trabalho decente.

Esses e outros pontos farão parte de uma carta aberta que a confederação internacional prepara para endereçar aos líderes que participarão da cúpula do G-20, na próxima semana em Londres.

Já a CSA aproveita o gancho da Cúpula das Américas, que será realizada entre 17 e 19 abril em Trinidade e Tobago, para promover, nos dias 15 e 16, um fórum sindical na ilha para discutir a crise com dirigentes sindicais.

"Todos os países da região estão sentindo os efeitos; tanto os que estavam exportando muito, principalmente produtos primários e passaram a vender menos, quanto os que estavam "exportando" pessoas para trabalhar em países desenvolvidos, fluxo que também diminuiu", avalia o dirigente. "E não é só nos países latino-americanos: a crise também provoca o empobrecimento acima do Rio Grande. No Canadá, os trabalhadores estão sendo atingidos porque tinham perdido muitos benefícios sociais e nos EUA, no governo Bush, houve perseguição a entidades sindicais e o enfraquecimento de negociações coletivas", diz.

Para Mosqueira, a crise financeira fez os trabalhadores de países ricos e pobres acreditarem na mesma salvação: os primeiros querem a volta do Estado de bem-estar social; os outros, querem, mais do que nunca, conquistá-lo.