Título: Indústria quer pagar menos pelo gás
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2009, Brasil, p. A3

Indústrias de vários segmentos estão inconformadas com o preço do gás natural, que se descolou recentemente da cotação de outros derivados de petróleo, como o óleo combustível, e pediram intervenção do Ministério de Minas e Energia nas negociações com a Petrobras. Em fevereiro, o preço médio do gás estipulado pela estatal às distribuidoras alcançou US$ 8,70 por milhão de BTU (unidade de referência).

Para a Abrace, associação que reúne os grandes consumidores livres de energia, o valor tornou-se abusivo diante da queda do petróleo. Segundo a entidade, o custo do gás no "henry hub" - entroncamento de gasodutos nos Estados Unidos que é a referência do setor - estava em US$ 4,68 por milhão de BTU na média de fevereiro, quase metade da cotação brasileira. Enquanto isso, o óleo combustível nacional estava sendo vendido pela Petrobras a US$ 6,72 por milhão de BTU - ou 29% menos que o preço do gás.

Representantes de grandes indústrias têm dito, nos bastidores, que há disposição de denunciar a Petrobras à Secretaria de Direito Econômico (SDE) por abuso de poder econômico. Duas cartas com pedido de audiência foram enviadas ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, sem que tenha havido resposta. Sete entidades assinaram os documentos: Abrace, Abiape (autoprodutores de energia), Abegás (distribuidoras de gás), Abiquim (indústria química), Abividro (indústria de vidro), Abar (agências reguladoras estaduais) e o fórum dos secretários estaduais de Energia).

Na primeira carta, encaminhada em 16 de dezembro, as associações elogiam ações tomadas pelo governo para cobrar a crise, mas ponderam: "A escalada de aumentos no preço de custo do gás natural vem confrontar-se diretamente com essa posição". Indispostas com a Petrobras, elas dizem que é "relevante e imprescindível a presença do ministério na condução" das negociações.

Dois meses depois, no fim de fevereiro, reforçam o pedido em uma segunda carta e falam da "urgência" para resolver a situação. Afirmam que o preço do gás "mostra-se distorcido em relação ao dos demais combustíveis industriais". Para as entidades, o tombo nas estatísticas de dezembro referentes ao consumo de gás reflete não apenas a retração da demanda por produtos industriais, mas também o alto valor do combustível. "Precisamos alinhar, de forma estruturada, os preços do gás natural às necessidades de manter aquecido o mercado interno brasileiro."

As indústrias queriam aproveitar a regulamentação da Lei do Gás, sancionada neste mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para abrir discussões sobre a política de preços. Mas o ministro Lobão entende que as negociações devem ser feitas diretamente com a Petrobras e não vê com entusiasmo a participação do governo.

"Não vejo nada de mau em haver uma discussão entre os grandes consumidores e a Petrobras, mas isso eles podem fazer diretamente com a Petrobras, que nunca se furtou ao debate", afirmou Lobão ao Valor. Segundo ele, o ministério pode até entrar "supletivamente" para organizar a discussão, mas sem tomar decisões. "Não sou a favor de que a Petrobras tenha lucros exorbitantes com isso, mas ela também não pode sofrer prejuízos", acrescentou. Procurada por meio da assessoria de imprensa, a estatal não quis fazer comentários.

Fontes da indústria garantem que pelo menos uma grande fábrica de papel e celulose na região metropolitana de São Paulo trocou o combustível - de gás para óleo - usado em suas caldeiras. Uma indústria associada à Abividro, de acordo com a própria entidade, com contrato de suprimento de 4 milhões de m3 de gás por mês, está pagando US$ 11,2 por milhão de BTU no Brasil. A mesma empresa paga US$ 4,2 em sua filial na Colômbia, US$ 3,8 no Peru e US$ 0,90 na Venezuela, afirma a Abividro.

Para o superintendente da associação, Lucien Belmonte, isso se traduz em perda de competitividade das exportações. Tanto que as vendas externas, antes responsáveis por 20% do faturamento do segmento, representaram apenas 10% da receita total em 2008. "A Petrobras está matando seus clientes", reclama Belmonte. Ele fala como representante de um setor com dificuldades para fazer conversão de gás para óleo. Em São Paulo, por exemplo, boa parte das fábricas está no perímetro urbano e enfrenta restrições ambientais para utilizar o óleo como alternativa.

O presidente da Abrace, Ricardo Lima, critica a suposta falta de transparência da Petrobras e diz que ela usa uma posição de virtual monopólio para cobrar valores muito altos. "Só temos um fornecedor no país e é ele quem dita os preços", protesta. Uma das principais queixas é sobre a parcela cobrada dos consumidores de gás para financiar a expansão da infraestrutura de dutos da estatal. "Era preciso ter, especialmente neste momento de crise, uma política clara para os preços do gás. Infelizmente, a política da Petrobras não é transparente."