Título: Euforia ou tendência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2009, EU & Investimentos, p. D1

Sob o detalhamento do plano do Tesouro dos Estados Unidos para financiar a compra de até US$ 1 trilhão em ativos tóxicos, os mercados mundiais receberam uma verdadeira injeção de ânimo ontem. À proposta do governo de direcionar recursos, já aprovados pelo Congresso, do Programa de Socorro de Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês), as bolsas mundiais responderam com altas generalizadas. As compras começaram na Ásia, antes mesmo do anúncio do programa, passaram pela Europa até chegar ao continente americano. No Brasil, esse movimento se traduziu numa valorização de 5,89% para o Ibovespa, a segunda maior do ano, encerrando o dia aos 42.438 pontos, nível que não atingia desde 6 de fevereiro. A primeira impressão que o pacote causou é de que o nó do crédito global começa a ser desatado e que os mercados podem estar vivendo um momento de inflexão.

Mais do que o tamanho que o programa dos EUA pode atingir, a melhor sinalização veio de investidores institucionais de peso, como a BlackRock e a Pimco, que manifestaram interesse nos ativos podres que vão contar com a chancela governamental. E, para o Brasil, particularmente, soou bem a análise do investidor Mark Mobius de que o mercado acionário local pode estar entrando numa nova fase de "bull market", compradora, com tendência efetiva de valorização.

Isso não quer dizer que os dias de ressaca e de forte volatilidade estarão fora da ordem. Mesmo porque os dados da economia real - lá de fora e daqui - ainda vão trazer indicadores bastante ruins de atividade, diz o economista-chefe da Gradual Investimentos, Pedro Paulo da Silveira. "Mas não é uma coisa efêmera o Tesouro lançar mão do saldo do Tarp e dar um destino explícito para o dinheiro, direcionando-o para a compra de ativos tóxicos junto com a iniciativa privada", afirma. "Isso pode jogar os agentes econômicos para uma trajetória mais definida de recuperação, mas haverá alguns testes de fogo para enfrentar."

Se a demanda do setor privado se confirmar pelos títulos podres e efetivamente o Tesouro conseguir irrigar o sistema nas linhas mais problemáticas, como as hipotecas, cartões de crédito e o financiamento estudantil, a iniciativa pode representar um marco para um processo de recuperação, ainda que lento, diz o economista da Lopes Filho & Associados Júlio Hegedus Neto. "O governo americano está preocupado com outra bolha estourando no segmento de cartões, tendo em vista o aumento das taxas de desemprego e a perda de renda da população."

Num ano em que as projeções para a economia global são de retração da ordem de 2%, não dá para descartar a hipótese de novos períodos de deterioração de preços, ressalva Hegedus Neto. Para ele, a reunião do Grupo dos 20 (G-20, os países mais ricos e os principais emergentes) em abril pode trazer alento adicional à medida que surjam novas ideias de regulação ou até pacotes complementares de reestruturação para superar a crise de forma coordenada. "Não estamos vivenciado uma crise clássica, do pós-guerra, ou uma crise cambial ocasionada por déficits na conta corrente, é um problema de confiança e essa confiança leva tempo para ser restabelecida."

No meio do caldeirão global, o Brasil está, entretanto, em condições privilegiadas para capitanear a reação dos emergentes, diz Silveira, da Gradual, mesmo que o horizonte não seja de curto prazo. Com taxas de juros historicamente baixas no mundo desenvolvido, tão logo o nível de aversão a risco diminua, os institucionais estrangeiros vão buscar mercados onde possam remunerar melhor seus investidores.

Tal dinâmica já começa a apertar os próprios institucionais locais. Com previsões de que a Selic encerre o ano abaixo de 10%, o juro real na casa dos 5% já é menor do que o resultado que os gestores dos fundos de pensão têm de apresentar, diz o consultor de investimentos da Fundação CEEE de Seguridade Social (Eletroceee), Bernardo Fonseca Nunes. "O viés desse investidor é migrar parte dos recursos que tem emprestado para o Tesouro para ativos mais arriscados: primeiro ele vai para o crédito privado e o próximo passo, já aprovado nas políticas de investimentos, é seguir para fundos com renda variável ou carteiras de ações." Para ele, a realocação de carteiras deve ser nitidamente percebida ao longo do segundo semestre.

Já a pessoa física demora mais tempo para voltar. Precisa observar alguns meses de performance positiva para adquirir papéis diretamente na bolsa ou comprar cotas de fundos de ações. Trata-se de um investidor mais emocional, que quer ver resultados antes de fincar o seu pé na bolsa. O terceiro protagonista dessa nova onda pode ser o institucional estrangeiro, acrescenta Nunes, que também tem de prestar contas aos seus cotistas e vai procurar oportunidades nas economias que atravessaram a crise de forma mais eficiente. "Se os emergentes continuarem a dar boa resposta, o Brasil, a China, a Índia, os polos de crescimento econômico serão os primeiros lugares a receber esse fluxo."