Título: Lula planeja instituto de combate à pobreza na África para
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2009, Política, p. A11
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva namora a ideia de criar um instituto dedicado ao combate da pobreza na África, para comandá-lo a partir de 2011, quando deixar o governo. Na segunda-feira, em conversas informais em Nova York, voltou a falar do assunto, que já foi motivo de conversa com empresários, capazes de financiar o projeto. Lula não quer dar palestras após deixar o governo, e diz que também não pretende opinar sobre a gestão do sucessor.
A eleição de um afro-descendente, Barack Obama, para a Presidência dos Estados Unidos, reforçou o desejo de Lula em lançar uma iniciativa para a África, aproveitando o interesse do presidente americano em fazer gestos positivos em direção ao continente de seus antepassados. O Brasil é o país com a maior população negra fora da África, costuma repetir o presidente, que também gosta de mencionar a "dívida histórica" com os africanos que vieram escravos e ajudaram a construir a sociedade, a cultura e a economia brasileiras.
Para alguns assessores palacianos, como o chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, e o assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, Lula já comentou que gostaria de atuar em projetos para a África e a América Latina quando deixar a Presidência. Garcia comemora a iniciativa de Lula, de levar a ideia para além dos gabinetes oficiais. "Ele ainda está caraminholando isso, como sempre faz, e testando a receptividade à ideia", avalia o assessor, um dos principais confidentes de Lula em matéria de política externa.
"Seria uma decisão simpática, reveladora do gosto que ele tomou pela política externa", diz Garcia, para quem a iniciativa ainda está no plano das hipóteses. "Não há como separar a decisão que ele tomará após sair do governo das circunstâncias políticas que encontraremos no fim de 2010", explica Garcia. A futura atuação de Lula só será "perfeitamente definida" no fim do ano que vem, garante.
Lula, em Nova York, porém, chegou a mencionar o exemplo de Gana, país onde o governo instalou uma subsidiária da Embrapa, destinada a apoiar e disseminar pesquisas agrícolas no país e nos vizinhos africanos. O presidente, que foi à inauguração da estatal na África, no ano passado, gosta de lembrar que o clima das savanas africanas é muito semelhante ao do cerrado brasileiro, para onde a Embrapa dispõe de tecnologia de ponta e tem no currículo exemplos variados de projetos que aumentaram fortemente a produtividade rural.
O discurso sobre o Brasil como a maior nação africana fora da África foi levado por Lula ao encontro com Obama, na semana passada. Lula disse a Obama que há fortes oportunidades de trabalho conjunto entre o Brasil e os Estados Unidos no continente, especialmente em projetos de pesquisa, produção e comercialização de etanol.
Lula tentou conquistar o antecessor de Obama, George Bush, para a ideia e chegou a assinar, em 2007, com o governo americano um memorando sobre biocombustíveis que previa o apoio bilateral a projetos de etanol no continente africano e na América Latina. Ao anunciar, na época, a parceria recém-firmada entre Brasil e EUA em torno dos biocombustíveis, Lula chegou a prever que aquele dia representaria "novo momento da indústria automobilística no mundo, dos combustíveis no mundo e, possivelmente um novo momento para a humanidade".
Bush, ao discursar em seguida, mencionou apenas a América Central, Índia e China ao comentar o acordo dos dois países em matéria de biocombustível. Ignorou totalmente as repetidas referência de Lula à África, o que o governo brasileiro acredita que não aconteceria se Obama já estivesse na Casa Branca.
Lula acredita sinceramente que o etanol será uma das alavancas para o crescimento das áreas rurais pobres do continente africano e da América Latina. Seu interesse em seguir carreira na política externa é reforçado pela convicção de que não é direito um ex-chefe do Executivo continuar dando palpites sobre política interna no mandato do sucessor. Segundo os assessores, ele costuma criticar não só ex-presidentes, mas também ex-prefeitos e ex-governadores que conhece e que, segundo pensa, "só atrapalham" os governantes que os sucederam.