Título: A política monetária e o cachorro de Pavlov
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2009, Opínião, p. A24

O mundo que o Copom está vendo, em termos de política monetária, é produzido por suas próprias mentes

O corte de 1,5 pontos na Selic em 11 de março é como um choque de 1,5 volts. Faz cócegas mas não muda o comportamento dos agentes. Dado o nível em que o BC opera a política monetária, um corte relativo de 11,7% no nível da taxa de juros não é capaz de mover a economia para outra trajetória. Em meio à maior crise econômica do século, a política monetária continua contracionista.

A única no mundo a fazer isso. O consumo e o investimento seguirão a tendência de queda, talvez agora mais violenta. Dentre estas duas variáveis macroeconômicas, o consumo representa 62% do PIB brasileiro e o investimento 18%. Embora dominante, o consumo é uma variável macroeconômica estável. O investimento, embora menor, é o componente de demanda agregada mais volátil. Enquanto o consumo subiu 5,7% em 2008, o investimento aumentou 14,8% (IBGE). No último trimestre de 2008 o consumo caiu 1,0% e o investimento 9,3%. E a política monetária em curso é inócua para conter a tendência de queda. A recessão vai se agravar ao longo de 2009 por culpa do Banco Central. Mas o que assusta é que o corte de 1,5% pontos está sendo visto como reação "agressiva".

Somente Pavlov pode explicar a interpretação e o comportamento da diretoria do Copom na condução da política monetária. E somente Pavlov pode explicar as opiniões dos analistas, mais conservadores que o próprio conservadorismo do BC. As recentes declarações do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de que a redução da taxa de juros deve ser feita "com responsabilidade", deve ser aplicada ao pé da letra, a começar pelo próprio presidente, pois as decisões que foram tomadas nas últimas três reuniões foram de uma irresponsabilidade sem precedentes. Se restava alguma esperança do país de fazer funcionar a política monetária, recuperar o terreno perdido e evitar uma série de problemas fiscais e instalação da recessão no Brasil, no dia 11 de março ela foi definitivamente enterrada.

A explicação de Pavlov: Ivan Petrovich Pavlov foi um fisiologista russo que ganhou o Prêmio Nobel de medicina em 1904 por suas pesquisas sobre o papel do condicionamento na psicologia do comportamento. Sua teoria, que veio à tona em 1920, foi elaborada a partir da experiência conduzida em cachorros. Pavlov expôs vários cachorros a vários estímulos diferentes, coletando suas salivas num tubo implantado cirurgicamente na boca do animal.

Comparando os resultados, constatou que a salivação dos cachorros aumentava por estímulos em situações onde, anteriormente, elas não ocorriam. Os cachorros passaram a salivar quando expostos ao canto de pássaros e outros estímulos, por exemplo. Pavlov viu então que o comportamento podia ser manipulado, criando assim a teoria do comportamento condicionado.

Essa é a base de conhecimento que as escolas de adestramento de animais utilizam até hoje. É também a base para desenhar propagandas, largamente utilizadas por fábricas de cigarros, bebidas alcoólicas etc., que bombardeiam os consumidores com imagens sedutoras e locais paradisíacos. O indivíduo é condicionado a sentir um prazer semelhante, mesmo quando fumando num banheiro público. Cessada a experiência real, o indivíduo continua a sentir as mesmas sensações quando é excitado por algum estímulo. Este é um ponto importante da psicologia de Pavlov. Vemos e sentimos como se estivéssemos diante de uma realidade que não existe mais. O indivíduo sente e vê aquilo que imagina em sua mente.

É isso que está acontecendo no laboratório do BC. A noção de dosagem da política monetária tem sido vítima do mesmo fenômeno. Através de um condicionamento negativo, de tanto bater nas expectativas com variações homeopáticas de 0,25 e 0,5 ponto, o BC conseguiu adestrar as mentes, condicionando-as a sentir pavor quando se depara com um corte de um ponto, a ponto de se chamar isso de política monetária "agressiva".

O pior de tudo é que o próprio BC foi vítima do tratamento a que submeteu os agentes. Na métrica de suas mentes, os diretores do Copom não conseguem conceber como normal, variações de 20% a 30% da taxa de juros. O Chile baixou sua TPM (não é que o você está pensando, é taxa da política monetária) de 8,25% em dezembro de 2008, para 5,88% em fevereiro de 2009, um corte de 28,7%. Não houve nenhuma comoção no sistema financeiro, o governo continua a rolar seus títulos e a economia está respondendo melhor à crise. Os países desenvolvidos já cortaram em 80% suas taxas de juros desde o início de 2008, chegando a quase zero em termos nominais. Só aqui o pânico irracional existe.

A interpretação do que é uma política monetária está sendo feito por mentes caninas, que sofreram um auto-adestramento. As visões estão obtusas. Com o corte de 1,5 pontos, o BC olha para a direção correta. O problema é que não enxerga a verdadeira realidade à frente. O mundo que a diretoria do Copom está vendo, em termos de política monetária, é um mundo produzido por suas próprias mentes e que só existe dentro delas. Algo parecido com o mundo de espionagem e personagens fictícios que habitava a mente de John Forbes Nash, o brilhante matemático ganhador do Nobel em Economia de 1994, que sofria de esquizofrenia.

Há muitas razões técnicas que justificam a necessidade de um corte maior dos juros. Elas são vastamente conhecidas e não há dificuldade em reconhecer as razões quantitativas e teóricas na gestão da política monetária. A política monetária no Brasil não é mais uma questão técnica ou de economia teórica e empírica. É um problema de economia política. E mais do que economia política, é um problema de psicologia, próximo à uma patologia.

O risco de repetir linearmente "estratégias que deram errado no passado" está aumentando. Ao tentar manter a reputação suadamente construída, o BC está destruindo-a. Tendo em vista que o comportamento demora em ser condicionado, cada vez mais cresce o sentimento de que, não mudando a forma de pensar das mentes, deva-se mudar as próprias mentes. Não por questões ideológicas, mas de sobrevivência.