Título: Ásia fala em trilhar um caminho próprio
Autor: Pilling, David
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2009, Especial, p. A26

Dez anos atrás, quando a Ásia estava no meio de sua crise financeira doméstica, o capitalismo, da maneira como era praticado naquele continente, era o saco de pancadas favorito de todo mundo. Embora fosse difícil generalizar questões econômicas em lugares tão distintos quanto a Indonésia e o Japão, e Cingapura e a China, muitos acadêmicos formaram princípios gerais sobre o que havia dado errado na Ásia.

Dizia-se que as economias asiáticas eram dependentes demais dos fluxos de capital estrangeiro e propensas demais a canalizarem recursos estatais para bancos controlados rigidamente, em vez de dependerem mais dos mercados de capitais criativos e eficientes. Muitas praticavam uma forma de "capitalismo camarada", no qual os interesses do Estado e de empresas protegidas, frequentemente de controle familiar, estavam ligados demais. Os administradores estavam fora do alcance dos acionistas, em vez de estimularem eficiências e alinharem seus interesses com os de seus investidores. Os governos, no geral, tinham um interesse muito próximo na tomada de decisões econômicas, alocando mal o capital e atrapalhando as forças criativas do mercado.

Agora, formuladores de políticas, autoridades reguladoras, empresários e políticos asiáticos vivem uma situação oposta. Não são poucos os que começam a dar lições de moral ao Ocidente por causa de seu capitalismo de casino e seu modelo de crescimento alimentado pelo crédito e pela bolha dos ativos.

Contribuindo para essa sensação de superioridade está o fato de que os governos asiáticos - especialmente os da China e do Japão - são os maiores detentores dos títulos do Tesouro dos EUA e de papéis da Fannie Mae e da Freddie Mac. Tendo financiado o desastroso frenesi de gastos da América, eles querem a satisfação de poderem dizer ao Ocidente onde ele errou.

Wen Jiabao, o primeiro-ministro da China, falou a uma audiência nada entusiasmada em Davos - outrora a Meca das ideias do capitalismo sem amarras - sobre o "modelo de crescimento insustentável" do Ocidente, "caracterizado por níveis de poupança baixos e prolongados e consumo elevado". Ele ridicularizou os bancos ocidentais, que agora têm nacos de suas ações quase sem valor em poder de instituições estatais chinesas, por sua "perseguição cega ao lucro e a falta de disciplina".

Num tom parecido, Prakash Javadekar, porta-voz sênior do partido Bharatiya Janata, a oposição nacionalista hindu da Índia, descreve o capitalismo dos EUA como "nada mais que excessivamente indulgente". Eisuke Sakakibara, ex-ministro das Finanças do Japão, prevê que o mundo nunca mais voltará aos padrões de consumo que levaram ao colapso do crédito. "Depois que esta recessão terminar, as coisas serão muito diferentes", alerta. "A era americana acabou."

Kishore Mahbubani, reitor da Lee Kuan Yew School of Public Policy de Cingapura, vem sendo um profeta desse declínio. Ele diz que os asiáticos aprenderam muitas das virtudes do capitalismo ocidental, incluindo sua confiança geral no livre mercado. Mas, depois de sofrerem com a crise na Ásia e as ingerências do Fundo Monetário Internacional (FMI) - algumas das quais estão sendo agora ignoradas pelos governos ocidentais --, ele diz que os asiáticos acrescentaram lições próprias. Elas são: "Não liberalize o setor financeiro rápido demais, tome emprestado com moderação, leve a poupança a sério, cuide da economia real, invista em produtividade, concentre-se na educação". Comparando o desempenho da Ásia nos últimos dez anos com o de grande parte do Ocidente, ele diz: "Enquanto a América estava ocupada criando um castelo de cartas financeiro, os asiáticos se concentravam em suas economias reais".

De fato, os asiáticos acertaram algumas coisas. Seus bancos, com algumas exceções, não puderam se entregar às praticas aventureiras que levaram tantas instituições ocidentais à quase falir. Indivíduos, companhias e alguns governos continuaram com a propensão de poupar. Os executivos - com exceção de alguns magnatas de empresas familiares que usam suas companhias como cofrinhos - no geral evitaram os pacotes de remuneração do tipo que se tornou tão comum no Ocidente.

Mesmo assim, esses supostos pontos fortes sempre carregam desvantagens e vantagens na mesma proporção. As taxas elevadas de poupança, que se devem tanto a sistemas de bem-estar social fracos quanto a qualidades nobres de sobriedade, vêm estrangulando a demanda doméstica. Para cada equipe administrativa bem-sucedida e tranquila em relação a acionistas ativistas há outra completamente esgotada. Mesmo deixando de lado essa discussão, há uma série de dificuldades fundamentais no que se pode chamar livremente de capitalismo ao estilo asiático.

Em primeiro lugar, a região depende da demanda elevadíssima do Ocidente, pela qual exibe agora tanto desprezo. Durante a maior parte do ano passado persistiu a ideia de que a Ásia poderia escapar da crise financeira. A Ásia, conforme afirma Mahbubani, estava se concentrando na economia real, ocupada fabricando produtos eletrônicos de consumo, máquinas-ferramenta e navios de transporte de carga. Entretanto, eram os ocidentais que estavam comprando esses produtos.

O Japão é um bom exemplo. Este ano ele deverá ter o pior desempenho entre os países do Grupo dos Sete (G-7, as sete nações mais desenvolvidas do planeta), com sua produção devendo cair até 6%. A maior contração desde a Segunda Guerra Mundial vem ocorrendo mesmo com seus bancos tendo comprado poucos papéis tóxicos e o país apresentando grandes superávits comercial e em conta corrente. Conforme observa Peter Tasker do Dresdner Kleinwort em Tóquio: "Isso não é justo".

Em segundo lugar, é preciso uma memória muito curta para concluir, conforme alguns estão fazendo agora, que os governos são melhores alocadores de capital que o setor privado. O Japão se mostrou tão propenso a criar bolhas de ativos quanto os Estados Unidos, muito embora seu sistema bancário estivesse sob diretrizes muito mais apertados do Estado. Na China, também o peso do Estado é evidente. No ano passado, o governo chinês começou a temer um superaquecimento da economia e agiu para esfriar as coisas. O resultado foi um colapso nos preços dos imóveis e um choque no sentimento do consumidor, que afetou o desempenho econômico muito antes do efeito da queda das exportações ser sentido. "Eles achavam que estavam fazendo um ajuste fino", diz Arthur Kroeber da consultoria Dragonomics. "Portanto, a regulamentação não funciona, assim como a desregulamentação não funciona. A China continua sendo uma economia "boom-and-bust" do século XIX."

Finalmente, algumas economias asiáticas como a Índia poderão escapar do pior, simplesmente porque são países pobres que ainda não estão totalmente integrados na economia global. As restrições da Índia aos investimentos estrangeiros e a proteção à indústria financeira doméstica provocaram tantos danos quanto benefícios. Quando se chega ao setor de energia e ao efeito distorcedor dos subsídios estatais, a Índia poderia ter se dado bem com uma maior desregulamentação.

Do mesmo modo, a China, mesmo agora, não desistiu das ambições de imprimir uma maior sofisticação ao seu setor financeiro. Fang Xinghai, diretor-geral de serviços financeiros do município de Xangai, diz que a China poderá até mesmo acelerar a reforma financeira, agora que está mais ciente das potenciais armadilhas. Stephen Roach, presidente do conselho de administração do Morgan Stanley Asia, diz que a China prosperou ao ponto de imitar as práticas dos EUA, e não evitá-las: "O desenvolvimento econômico surpreendente da China é um endosso explícito do capitalismo - um modelo de desenvolvimento depende de maneira crítica da transição do controle das empresas estatais para o setor privado".

Em meio à crise - enquanto os EUA partem para estatizações, empréstimos dirigidos e socorros estatais -, pode ser tentador concluir que os EUA estão avançando lentamente para um capitalismo ao estilo chinês. Mas, no longo prazo, não importa quão desacreditado o capitalismo ocidental pareça no momento, é bem mais provável que o movimento ocorra no sentido inverso.