Título: Adivinha quem está no prejuízo?
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 10/03/2010, Brasil, p. 8

ENEM

MEC prometeu ressarcir dinheiro da inscrição do exame àqueles que desistiram do teste depois do vazamento, mas até agora nenhum centavo foi devolvido

Em meio à crise provocada pelo vazamento das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o ministro da Educação (MEC), Fernando Haddad, afirmou publicamente que achava legítima a devolução dos R$ 35 pagos na inscrição do teste. Ficou garantido o reembolso a todos os candidatos que não quiseram mais fazer o exame devido à mudança de data, à desistência(1) das universidades que haviam aderido ao Enem como instrumento de ingresso ou simplesmente por duvidarem da credibilidade da seleção. Cinco meses depois do comunicado do ministro, porém, o Instituto Nacional Anísio Teixeira (Inep), ligado ao MEC, que ficaria responsável pelo ressarcimento, não sabe quantas pessoas receberão a devolução nem como isso será operacionalizado.

Em nota divulgada pela assessoria de imprensa, o Inep se restringiu a dizer que a área jurídica está contabilizando as solicitações recebidas e estudando formas de conduzir a questão do ressarcimento de taxas de inscrição pagas. A autarquia também minimizou a quantidade de alunos pagantes: Apenas pouco mais de um milhão. O restante algo em torno de 3 milhões era isento da taxa, por estar concluindo o ensino médio em escola pública ou ter declarado carência. Do total de pagantes, 260 mil pessoas, ou quase 25%, não compareceram às provas, aplicadas em 5 e 6 de dezembro. Amanda Evangelista de Souza, 18 anos, está entre os estudantes que desistiram do Enem. Muitas universidades deixaram de aceitar e a gente ficou duvidando da seriedade do teste, explica a garota.

À época estudante do último ano do ensino médio, Amanda preferiu se preparar para o Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília (UnB) onde pretende cursar biblioteconomia a encarar os dois dias de Enem. Hoje aluna de um cursinho pré-vestibular da cidade, ela considera muito bem-vindo um eventual ressarcimento da inscrição que pagou pelo Enem. Claro que ajudaria, não é um valor qualquer, afirma Amanda. Para a garota, o que mais pesou na hora em que decidiu fazer o Enem, antes da notícia do vazamento das provas, foi a possibilidade de avaliar a própria performance. Queria ver como me sairia em ciências da natureza e redação, principalmente. Mas depois de toda aquela confusão, os estudantes ficaram muito inseguros, destaca.

Escândalo A crise deflagrada pelo vazamento das provas do Enem derrubou o então presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo exame, Reynaldo Fernandes. Ele entregou sua carta de demissão a Haddad em 17 de dezembro passado. Em comunicado aos funcionários do instituto, Fernandes disse que saía com o único objetivo de preservar o Inep. Fernandes deixou o cargo 12 dias após a aplicação do Enem, marcado inicialmente para a primeira semana de outubro e adiado, depois da fraude, para a primeira semana de dezembro.

1 - Retirada Pelo menos seis universidades federais no país que haviam aderido ao Enem para selecionar alunos (como etapa única, primeira etapa ou parte da nota) desistiram de vincular seus vestibulares ao teste administrado pelo governo federal. Foram elas: Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal Fluminense (UFF) Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e Universidade Federal de Goiás (UFG). Todas alegaram que, com o adiamento das provas e o consequente atraso na divulgação dos resultados, o calendário letivo seria prejudicado.

Alunos reclamam do Fies

Luiza Seixas

Uma nova lei do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) foi sancionada em janeiro com regras mais brandas para facilitar o ingresso dos estudantes nas faculdades particulares. Entre as determinações do texto estão a redução de 6,5% para 3,5% ao ano da taxa de juros cobrada e o aumento para três vezes do prazo para a quitação da dívida. Mas o que teria como objetivo ajudar os estudantes parece estar, na verdade, prejudicando. Os estudantes afirmam que a Caixa Econômica, responsável pelo financiamento, não está colocando em prática o que diz a lei.

A presidenta do Movimento Fies Justo, Daniela Pellegrini Nóbrega, criticou o fato de a lei ainda não estar funcionando e a falta de explicação por parte da Caixa Econômica e do Ministério da Educação. Segundo ela, o prazo dado hoje pela Caixa, de até duas vezes, não é suficiente para o estudante.

A Caixa não tem nenhuma explicação para isso. A gente liga e eles não sabem dizer o motivo por não ter ampliado ainda o prazo. E o MEC afirma que está esperando a Caixa entregar os contratos existentes para que eles possam dar continuidade ao trabalho. Vamos ficar em cima para que essa lei seja aplicada logo, afirmou.

Ela criticou também a redução dos juros, que apesar de já estar sendo aplicada, só vai beneficiar as pessoas que estão entrando agora no Fies. Essa nova lei reduz os juros para todos os contratos, inclusive os antigos. Portanto, deveria ser retroativa e valer também para as parcelas anteriores a janeiro, ou não vai ajudar os mais velhos. Esses já estão com o saldo devedor lá em cima e a redução será muito pouca. Dependendo do contrato, pode reduzir apenas R$ 70, o que é pouco para, por exemplo, uma parcela de R$ 800, explicou Daniela.

Se a lei já estivesse valendo, a solução do problema da arquiteta Karina DAgostini já poderia estar com meio caminho andado. Quando fechou o financiamento com a Caixa, o valor era de cerca de R$ 40 mil, mas, por causa dos juros, ela deve hoje mais de R$ 100 mil. É uma cilada o Fies. Eles dizem que é para ajudar os estudantes, mas, na verdade, para participar você tem que ser rico. Cobrar esse valor é algo fora da realidade, afirmou.

Procurada pelo Correio, a Caixa Econômica informou não estar ciente do problema e disse que, no desempenho de seu papel de agente financeiro do Fies, cumpre integralmente a legislação vigente e toda a regulamentação definida pelo MEC, gestor do programa. O MEC informou que pretende colocar o programa totalmente em prática na próxima semana. Nós estamos finalizando as condições para abrir o financiamento para quem desejar. Para implementar a lei dependemos da Caixa e do Banco do Brasil, mas ainda não conseguimos fechar com elas, informou a assessoria.

No papel

O que determina a nova lei do Fies

Redução da taxa de juros de 6,5% para 3,5% ao ano

Aumento do prazo para a quitação da dívida para três vezes o período financiado do curso

Possibilidade de os formandos em cursos de medicina e licenciatura abaterem 1% da dívida a cada mês trabalhado, caso optem por trabalhar na rede pública ou no programa Saúde da Família