Título: Mendes enfrenta protestos em sabatina
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 25/03/2009, Política, p. A9

O presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Gilmar Mendes, cumpriu o ritual de cumprimentar a platéia, autografar livros e distribuir sorrisos sem demonstrar incômodo com os gritos de "fascista" ao término da sabatina promovida pela "Folha de S.Paulo" na manhã de ontem.

O ministro também preferiu evitar os cerca de 20 jovens que o esperavam do lado de fora do auditório, segurando bandeiras da União Brasileira dos Estudantes (Ubes) e do P-Sol, e cantavam em megafone: "Ô Gilmar Mendes, que papelão, soltar banqueiro sabendo que é ladrão!". A saída escolhida pelo ministro foi a mais discreta do teatro, por onde nem os manifestantes nem os jornalistas teriam acesso.

Os protestos refletiram o clima da sabatina. Mendes foi vaiado ao tentar justificar o segundo habeas corpus a Dantas. Disse que o pedido de prisão "tinha como único objetivo desmoralizar o Supremo", sem explicitar quem estaria por trás desse objetivo. "Houve uma reunião de juízes que intimidaram os desembargadores a não conceder o habeas corpus". O autor do pedido de prisão foi o juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal, que o presidente do STF evitou citar diretamente.

O presidente do STF reclamou do vazamento de informações pela Polícia Federal, o "descontrole da PF" e os grampos telefônicos, dos quais reforçou ter sido vítima sem nominar o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiróz, responsável pela Operação Satiagraha.

Mendes defendeu um controle externo da Polícia Federal e justificou que o Ministério Público Federal não é eficiente por haver "conluio entre a Polícia Federal, o Ministério Públcio, e juiz". "Quem controla a ação da polícia se o Ministério Público está se envolvendo em ações? Que controle está sendo estabelecido?"

Mendes irritou alguns espectadores ao traçar um paralelo indireto entre o MST e organizações paramilitares. Criticou o repasse de recursos federais a entidades vinculadas ao MST, acusadas de mau uso de recursos públicos, e disse que as organizações irregulares com recursos federais poderiam transformar-se em organizações paramilitares. "Você acha que ele sabe o que está falando? Será que conhece o mínimo do MST?", reclamou uma estudante, ao descer as escadas para ir embora.

"Um presidente de tribunal tem responsabilidade política, institucional. Emite juízos que servem de orientação", disse o ministro, para justificar suas rotineiras declarações sobre assuntos que vão dos MST, passando pelo controle da Polícia Federal, até se há ou não indício de corrupção nas ações dos envolvidos no suposto mensalão. "Não me parece que seja extravagante", comentou. O ministro explicou que, para ele, seria excesso se ele antecipasse seu voto em algum caso a ser julgado pelo STF. Disse também que sua responsabilidade política é "no sentido de dimensão de poder" que ele representa, não de política partidária.

Nomeado para o STF em 2002, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Mendes negou que seja o maior líder da oposição atual, mas disse que "costuma apontar exageros quando os identifica".

O pedido de extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti deve ser julgado em breve pelo STF. "Se for confirmada a extradição, ela será compulsória e o governo deverá extraditá-lo", disse.

Longe de ser um consenso entre aqueles que estavam no teatro, o ministro foi interrompido algumas vezes por gritos de protesto e também por palmas - menos frequentes - de aprovação. Em diferentes momentos reiterou que não age em favor dos ricos e que o STF é o tribunal "mais democrático".

Ele tentou descolar-se da imagem de protetor dos ricos, como foi sugerido por uma das jornalistas que o entrevistou, que explorou a contradição de ele "correr para conceder habeas corpus a Daniel Dantas " e para "criticar o MST" em ação de integrantes do movimento que resultou na morte de quatro seguranças de uma fazenda em Pernambuco. "Saio correndo para mudar o processo civilizatório e dar cara mais digna ao Brasil", disse, recebendo aplausos. Mendes quis mostrar-se próximo aos movimentos sociais e afirmou que já visitou um assentamento do MST -"Sou da área rural. Me solidarizo com movimentos sociais". Disse que não é grande proprietário rural, apenas é "herdeiro" de patrimônio de sua família que está "há 200, 300" no interior.

Para encerrar a sabatina, Mendes foi convidado a fazer rápidos comentários sobre Protógenes e De Sanctis ("não vou falar, não vou emitir juízo"), o ex-diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda ("não foi um bom diretor"), o ministro da Justiça, Tarso Genro ("um agente político esforçado"), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ("tenho admiração, é um bom político"), e Fernando Henrique ("um estadista").

Do lado de fora do teatro, simpatizantes e filiados do P-Sol e da Ubes, faziam de Mendes o vilão e de Protógenes Queiróz, o mocinho. "Cadeia para Dantas e medalha para Protógenes" estava escrito em uma das cartolina que os jovens seguravam, entre bandeiras da entidade e do partido. "Cassação de Gilmar Mendes Já", dizia outra cartolina, escrita com canetinha. Um dos mais atuantes no protesto era o presidente da Ubes, Ismael Cardoso, que dizia a quem quisesse ouvir que o presidente do STF "criminaliza os movimentos sociais " e está ao lado do banqueiro e empresário Daniel Dantas. Amanhã Protógenes irá ao Senado para reunião com a bancada do P-Sol de deputados e senadores.

Apesar dos protestos contra si, Mendes não pretende ficar de fora da cena política nacional. Ele foi questionado duas vezes se teria intenção de disputar algum cargo eletivo e em nenhuma delas negou a possibilidade. "Não cogito sair do STF. Quando sair vou ver o que vou fazer. Nunca tive problema de desemprego". Mas descarta concorrer?, reforçaram os sabatinadores. Ele pensou, pensou, pronunciou "mm mm mm" e respondeu: " Não cuido nem descuido, simplesmente estou a pensar nas atividades que estou a desenvolver agora."

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