Título: Tesouro vai bancar R$ 20,5 bi do pacote
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2009, Brasil, p. A3

O governo comprometeu-se, ao anunciar o programa Minha Casa Minha Vida ontem, a alocar até R$ 20,5 bilhões de receitas primárias do Tesouro - portanto com impacto direto no resultado fiscal primário da União- para subsidiar moradia e baratear o custo de empréstimos habitacionais para famílias com renda de até dez salários mínimos mensais. Do total, R$ 6 bilhões serão incluídos já no Orçamento de 2009, por projeto a ser encaminhado em breve ao Congresso. O restante constará no Orçamento de 2010 e, se necessário, no de 2011, último a ser elaborado pela atual equipe econômica. Para tanto, o governo usará, se preciso, parte ou toda a reserva de R$ 14,24 bilhões transferida em 2008 ao Fundo Soberano do Brasil (FSB), já a partir deste ano.

O valor total do programa - que pretende construir 1 milhão de casas e reduzir parte do déficit habitacional de 7,2 milhões de moradias - depende do critério que se adota. A ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, anunciou oficialmente R$ 34 bilhões em três anos, contando, além da parte do Tesouro, com subsídios do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e recursos do BNDES. A ministra não incluiu, por exemplo, R$ 19 bilhões que o FGTS tem para crédito habitacional só este ano (já conhecidos) e que necessariamente irão, pelo menos em parte, para operações subsidiadas pelo programa. Mais tarde, contando com o que o FGTS poderá destinar às ações do programa até 2010 ou 2011, o vice-presidente de governo da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, falou em R$ 60 bilhões.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, preferiu destacar os impactos macroeconômicos. Segundo ele, o Minha Casa Minha Vida deverá gerar, durante sua execução, 1,5 milhão de empregos e um incremento de até 2 pontos percentuais na taxa de crescimento real da economia.

No que toca aos recursos fiscais do Tesouro, o governo só não chegará aos R$ 20,5 bilhões anunciados se as construtoras não responderem na velocidade pretendida e não produzirem a tempo um número de unidades habitacionais suficiente para usar todo o recurso, explicou ao Valor o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Ele referia-se à meta de contratar a construção de 1 milhão de moradias até o fim de 2010, ainda que parte seja entregue só em 2011.

O programa indicou onde o 1 milhão de casas deve ser construído, em caráter preliminar - e o Estado de São Paulo, governado pelo virtual opositor de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2010, José Serra, ficará com 18% do total.

A maior parte do dinheiro do Tesouro, R$ 16 bilhões, vai para um nova modalidade de operação do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), para subsidiar famílias urbanas e rurais com renda mensal de até três salários mínimos (para as rurais estão reservados R$ 1 bilhão). Hoje o FAR, que é do governo, só compra conjuntos habitacionais para fazer operações de arrendamento com opção de compra pelo locatário. Uma Medida Provisória permitirá que o fundo também compre imóveis para vender aos beneficiários finais, dando prazo de pagamento de 10 anos e subsídio quase integral. A prestação será de 10% da renda da família - mínimo de R$ 50.

Os imóveis adquiridos pelo FAR nessa nova modalidade serão comprados ainda na planta, de construtoras que apresentarem projetos independentes ou resultante de parceria com Estados e municípios. Terão preferência projetos que contem com doação de terrenos e/ou concessão de benefícios fiscais pelos governos locais interessados. O aporte de R$ 16 bilhões foi calculado para subsidiar até 400 mil imóveis para o público-alvo, com custo unitário médio próximo de R$ 40 mil. Mas dependendo da participação das prefeituras e Estados, o mesmo recurso pode alavancar mais moradias.

Como administradora do FAR, caberá à Caixa Econômica Federal receber os projetos das construtoras e cobrar prestações dos beneficiários finais em nome do governo. Mas a seleção das famílias será feita por Estados e municípios, e os interessados devem procurar prefeituras ou órgãos estaduais .

Os projetos terão que seguir um padrão, que exige, por exemplo, tamanho mínimo de 35 m2 para casas e de 37 m2 (área interna) para apartamentos, com pelo menos dois quartos, cozinha, sala e banheiro. Para baratear o custo, outra Medida Provisória vai criar regime diferenciado de tributação federal para empreendimentos incluídos nesse novo programa do FAR . Como antecipou o Valor, as construtoras vão pagar, sobre o faturamento da venda desses imóveis ao fundo, alíquota única de 1%, no lugar de quatro tributos (IRPJ, Cofins, PIS e Cofins).

Outros R$ 4,5 bilhões do Tesouro beneficiarão famílias com renda acima de três e até dez salários mínimos mensais de duas formas diferentes. Uma delas, só para a faixa até seis salários, é complementada com subsídio parcial de recursos emprestados pelo FGTS para aquisição de moradia. Esse tipo de subsídio já é praticado, mas com recursos do próprio FGTS e apenas para famílias com renda de até quatro salários. Com o pacote anunciado ontem, o Tesouro também vai subsidiar operações de crédito do fundo, com R$ 2,5 bilhões, para famílias com renda acima de três e até seis mínimos. O FGTS, por sua vez, terá para a mesma finalidade outros R$ 7,5 bilhões (sem contar R$ 1,6 bilhão que já estavam no orçamento do fundo). Com isso, o governo espera beneficiar outras 400 mil famílias.

O executivo da Caixa explicou que para o mutuário a fonte do benefício - se Tesouro ou FGTS - não faz diferença. Mas ele lembrou que, para ter acesso ao subsídio (chamado de desconto), o preço do imóvel financiado está sujeito a um limite - de R$ 130 mil para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e respectivas regiões metropolitanas; de R$ 100 mil para as demais capitais e cidades limítrofes, e de R$ 80 mil no resto do país.

Hereda destacou ainda que o subsídio por operação sobe. No Rio, São Paulo ou Brasília, uma família com renda de três salários, por exemplo, passa a ter direito a um "desconto" de R$ 23 mil e não mais de R$ 6,4 mil, se pegar empréstimo do FGTS. Nas demais regiões metropolitanas, o subsídio, que é de no mínimo R$ 2 mil no país, pode ir a 17 mil e nas outras cidades, a R$ 13 mil.

Os R$ 2 bilhões do Tesouro que não vão nem para o FAR nem para subsídio direto também vão ajudar tomadores de crédito do FGTS, mas por intermédio de um novo fundo garantidor, a ser criado. Esse fundo terá dois papéis. Um deles é funcionar como um seguro contra inadimplência, a partir do sétimo mês do contrato, bancando o refinanciamento de 95% da prestação em caso de perda de renda da pessoa (desemprego, por exemplo), por até 12 a 36 meses, dependendo da renda da família. Para ter direito a esse seguro, o mutuário contribuirá com 0,5% sobre a prestação.

Os mutuários do FGTS com renda familiar entre seis e dez salários não têm direito ao subsídio mas poderão entrar nesse novo fundo garantidor, nas mesmas condições. O novo fundo funcionará ainda como um substituto mais barato dos dois tipos de seguro já praticados nos financiamentos habitacionais, o de morte e invalidez permanente e o contra danos ao imóvel. Para um tomador de 41 anos, por exemplo, o preço desses dois seguros cai de 7,13% para 2,589% da prestação, se ele optar pelo fundo do governo, no lugar do seguro tradicional.

As famílias com renda superior a dez salários mínimos também serão contempladas, não pelo Minha Casa Minha Vida, mas por uma decisão do Conselho Monetário Nacional: o valor limite dos imóveis que podem ser adquiridos com recursos do FGTS sobe de R$ 350 mil para R$ 500 mil.