Título: PF prende executivos da Camargo Corrêa
Autor: Boechat , Yan
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2009, Política, p. A9

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal de São Paulo acusam um grupo composto por executivos da Camargo Corrêae doleiros de terem montado uma operação criminosa para desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e remessa ilegal de valores para o exterior com o objetivo, entre outros fins, de financiar ilegalmente partidos políticos.

Ontem o juiz federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, Fausto de Sanctis, determinou a prisão de três diretores e um consultor da companhia, duas de suas secretárias e quatro doleiros, acusados de, juntos, terem montado uma "instituição financeira paralela" que teria enviado entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões a paraísos fiscais no exterior por meio de empresas fantasmas.

De acordo com o despacho do juiz, há indícios de que o grupo, que faturou R$ 16 bilhões em 2008, teria doado, de forma ilegal, recursos para as campanhas municipais do ano passado do DEM, PSB, PPS, PSDB, PDT, PP e PMDB por meio de representantes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo em Brasília.

Além das prisões, ocorridas na manhã de ontem em São Paulo e no Rio de Janeiro, Fausto de Sanctis também determinou a quebra do sigilo fiscal e bancário dos acusados, assim como o bloqueio de diversas contas bancárias. O juiz também determinou que fossem apreendidos documentos, computadores e outros ítens que possam colaborar com as investigações na sede da companhia e na residência dos acusados.

A operação batizada de Castelo de Areia foi deflagrada na manhã de ontem pela Polícia Federal. Antes das 6h00 cerca de 100 agentes da Polícia Federal tomaram a sede da Construtora Camargo Corrêa, a principal empresa do grupo, localizada na Zona Sul de São Paulo. Os funcionários da empresa foram impedidos de entrar no prédio até que os agentes realizassem a busca e a apreensão de documentos e computadores. Ao mesmo tempo os seis funcionários da empresa com prisão decretada se entregaram à polícia.

A operação, que era realizada há quase um ano por meio de escutas telefônicas e interceptação de correio eletrônico e documentos, pegou a companhia de surpresa. Logo pela manhã o presidente do grupo, Vítor Hallack, convocou uma reunião de emergência em sua casa, também na Zona Sul de São Paulo. Deste encontro resultou apenas uma nota à imprensa em que a companhia afirma atuar na total legalidade, que tem confiança em seus diretores e que estava perplexa com a forma que a Polícia Federal agiu. Ao longo do dia a companhia não se pronunciou novamente.

De acordo com o relatório da Polícia Federal e o despacho do juiz Fausto de Sanctis a operação seria comandada por dois executivos do alto escalão da companhia, o diretor Regimental da Diretoria de Auditoria e Controles da Camargo Corrêa S.A, Fernando Dias Gomes, o diretor da divisão de Controladoria da Construtora Camargo Corrêa, Dárcio Brunato, além do ex-diretor da companhia e hoje consultor da empresa Pietro Francisco Bianchi, e pelo doleiro suíço naturalizado brasileiro Kurt Paul Pickel.

Fernando Dias Gomes é o executivo mais graduado da companhia preso na operação. Atuando no Grupo Camargo Corrêa desde a década de 70, ele é o único dos detidos a fazer parte da diretoria executiva da holding. Sua carreira foi construída dentro da construtora do grupo, mas há alguns anos passou a atuar em diversas empresas da companhia. Hoje, além da direção de auditoria e controles da holding, Dias Gomes também faz parte do conselho fiscal da CPFL e da Alpargatas, além de ser suplente no conselho fiscal da CCR. O grupo Camargo Corrêa é acionista de todas essas empresas.

Segundo o relatório da Polícia Federal enviado ao juiz Fausto de Sanctis, Dias Gomes, Bianchi e Brunato tratavam diretamente com Paul Pickel a respeito das remessas ilegais dos recursos. Segundo o despacho do juiz de Santics, em várias conversas gravadas pela Polícia Federal os quatro trataram, por diversas vezes, de valores e esquema para enviar até R$ 30 milhões para contas bancárias no Uruguai, nas Ilhas Cayman, na Suíça e na Alemanha. Para evitar serem descobertos, segundo o relatório da PF, os executivos e o doleiro usavam codinomes como girafa, coelho, canguru e camelo. Os acusados também chegavam a utilizar telefones públicos ou sistemas de comunicação via internet para não serem grampeados.

De acordo com a Polícia Federal os recursos vinham de superfaturamento de obras públicas e eram enviados para o exterior para serem lavados. O despacho do juiz de Sanctis cita a Refinaria do Nordeste, da Petrobras, onde as ações do grupo teriam causado um prejuízo de R$ 71 milhões aos cofres públicos. Os recursos desviados, afirmam a PF e o Ministério Público Federal, eram enviados ao exterior por meio de empresas fantasmas, operadas por doleiros ligados a Paul Pickel. Três deles foram detidos ontem também.

Após ter sido legalizado, afirma a Polícia Federal, os recursos eram então internalizados, muitas vezes de forma ilegal. Uma parcela desses recursos foi utilizada pela companhia para financiar a campanha de diversos partidos nas eleições municipais de 2008. Escutas telefônicas teriam mostrado que o diretor de Assuntos Institucionais da construtora, João Auler, seria o intermediário entre a companhia e um dirigente da Fiesp, não identificado, para distribuição de recursos destinados às campanhas políticas. Caberia a este dirigente da Fiesp fazer a distribuição aos partidos. No despacho de De Sanctis, Fernando Botelho, casado com uma das herdeiras do grupo, é citado num diálogo em que se comenta o atraso na liberação dos repasses. A Fiesp informou, por meio de nota, ser uma entidade apolítica, que não se envolve entre empresas e candidatos políticos e que não teme eventuais investigações.

Ainda de acordo com as escutas telefônicas, segundo a PF, no dia 15 de setembro de 2008, João Auler teria informado a Bruneto, Dias Gomes e Bianchi que a distribuição de recursos havia sido feita. Entre os beneficiários estariam o DEM, o PSDB, o PDT, o PP, PSB e o PPS, que divulgou nota ontem informando não ter recebido qualquer recurso da companhia e que esta operação é orquestrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para atacar a oposição.

A Construtora Camargo Corrêa foi a maior doadora individual de recursos para as campanhas municipais do ano passado em todo o país. A empresa repassou, de forma legal e registrada no TSE, R$ 3 milhões para o Comitê Financeiro do prefeito de Sâo Paulo, Gilberto Kassab (DEM-SP). A CCDI, a empresa de empreendimentos imobiliários do grupo, tem mais da metade de seu estoque de terrenos localizado no município de São Paulo. Segundo o TSE, a empreiteira doou para candidatos a prefeito e vereador de todos os partidos em todo o país cerca de R$ 2 milhões. O tribunal não disponibiliza os valores doados aos comitês financeiros dos partidos. (*Valor Online)