Título: Mandelson rejeita resultado 'numérico' no G-20
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2009, Especial, p. A14

O ministro para Negócios, Empreendimento e Reforma Regulatória do Reino Unido, Lorde Peter Mandelson, espera que a opinião pública não julgue o encontro do G-20, que se realiza na próxima quinta-feira em Londres, por resultados "numéricos", que dificilmente devem ocorrer. "Não vamos reconstruir Roma em um dia", disse ao Valor.

Ele afirmou que o encontro é parte de um "processo" para uma visão compartilhada da crise e que "será o primeiro de muitos". No início deste mês, o governo britânico não conseguiu convencer alemães e franceses a se engajarem em um pacote maciço de estímulo fiscal e monetário defendido pelos Estados Unidos.

Um dos membros mais influentes do Partido Trabalhista britânico e um dos fundadores do "New Labour", Mandelson, 55 anos, defendeu a posição da Alemanha, que "está gastando mais do que muitos países desenvolvidos" e se recusou a comentar um eventual novo pacote fiscal do Reino Unido, que encontra resistências internas no país.

Para o ex-comissário de Comércio da União Europeia, que ocupou o cargo entre 2004 e 2008, a maior contribuição do Brasil contra a crise é garantir que o comércio mundial se mantenha aberto. Ele aplaudiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por levantar a bandeira contra o protecionismo e garantiu que ele vai encontrar "um forte aliado" no primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.

Em visita ao país em meio aos preparativos para a reunião do G-20, que reúne os líderes das 20 maiores economias do mundo, Brown se encontra hoje com Lula em Brasília. Mandelson chegou um dia antes a São Paulo, acompanhado de uma delegação de 14 empresários. Ele ocupa a pasta de Negócios desde outubro do ano passado, quando voltou ao centro da cena política britânica, para ajudar a combater os efeitos da crise, pelas mãos de Brown, um antigo desafeto.

Brown e Mandelson se desentenderam em 1994, quando o segundo apoiou Tony Blair para a liderança do Partido Trabalhista. Blair foi premiê por dez anos e Brown se sentiu traído. Polêmico, Mandelson foi obrigado a renunciar duas vezes a outros cargos ministeriais e ganhou o apelido de "Príncipe das Trevas". Como no Reino Unido é preciso fazer parte do Legislativo para ocupar uma pasta no gabinete, Brown transformou Mandelson, que estava sem mandato na época, em "Lorde", com uma vaga vitalícia na Câmara dos Lordes.

Valor: Na avaliação do governo britânico, a economia global ainda preciso de estímulos fiscais adicionais para se recuperar? A ação deve ser coordenada entre os países?

Peter Mandelson: Temos que reiniciar o crescimento global. Está cheio de falhas e precisamos estimulá-lo. Mas é isso que estamos fazendo. Na maioria dos países, uma forma de estímulo ou outra está sendo implementada, com intensidades e calendários diferentes. Mas todos sabemos que temos que contribuir para fazer a máquina econômica global seguir adiante de novo, mesmo se não o fizermos da mesma maneira ou ao mesmo tempo.

Valor: Dez dias atrás, após se encontrar com o primeiro-ministro Gordon Brown, a chanceler Angela Merkel disse que a Alemanha não implementaria novas medidas fiscais antes de conhecer os resultados do que já foi feito. Como o senhor avalia a posição alemã?

Mandelson: Algumas pessoas descrevem a política alemã como contrária a estímulos fiscais e argumentam que essas medidas ainda não foram tomadas. Na verdade, a Alemanha está implementando um grande estímulo à sua economia, com foco na concessão de empréstimos e crédito para seus setores industriais, em uma escala maior que muitos outros no mundo desenvolvido. O que a chanceler Merkel está dizendo é: deem a essas medidas uma chance de funcionar antes de tomar os próximos passos. Certamente é razoável.

Valor: E o Reino Unido? O pacote britânico foi muito menor que o alemão (1% do PIB ante 4% no caso da Alemanha). Será necessário um novo pacote esse ano?

Mandelson: Prefiro não falar em termos de pacotes. Em vez disso, deveríamos falar de medidas focadas e cuidadosamente planejadas, que farão uma diferença em áreas-chaves para a atividade econômica e em setores fundamentais não apenas para nos recuperarmos da atual recessão, mas também para nos fortalecermos para o futuro. Ambas as qualificações são importantes, recuperação e construção, como também reformar e trazer novas fortalezas. No meu trabalho como ministro de Negócios, é nisso que estou focado particularmente, assegurando que o que fizermos hoje resultará em maior competitividade amanhã.

Valor: O Banco Central Europeu cortou os juros para 1,5%, mas o Federal Reserve derrubou a taxa para quase zero e adotou medidas "criativas" para irrigar o mercado. Os europeus estão sendo muito conservadores na política monetária?

Mandelson: A política monetária, incluindo redução de juros, é um instrumento essencial, mas não é o único que estamos utilizando. As políticas de compra de ativos - maneira como no nosso país o Banco da Inglaterra está injetando liquidez - existem ao lado do corte de juros. Você tem uma combinação de políticas monetárias funcionando em conjunto com uma série de políticas fiscais. Logo, diferentes países, ou grupos de países, vão usar essas combinações de formas distintas. Não existe um único desenho, uma maneira perfeita. Existem uma variedade de formas e eu não vejo nenhuma vantagem em dizer se vamos dar um prêmio a esse banco, a essa autoridade monetária ou a esse governo. O que estamos enfrentando é uma complexidade de fatores, não apenas sobre o que criou a crise financeira, a recessão e a falta de crédito, mas também sobre o que deve ser feito em resposta a essas questões. Acredito que veremos no encontro do G-20 em Londres na próxima semana uma conjunto de visões compartilhadas sobre as direções da jornada que deveremos fazer, sobre os princípios das ações que temos que adotar. Mas a forma como os princípios são aplicados nos diferentes dos países vai variar e isso é inevitável.

Valor: Se não devemos esperar que todos os países concordem em implementar estímulos fiscais de, por exemplo, 2% do PIB, que resultados concretos devem sair do encontro dos líderes do G-20?

Mandelson: Espero que as pessoas não julguem os resultados do G-20 em termos numéricos. Não é isso que a economia global precisa. Ela precisa de uma agenda comum e de ações em conjunto, mas também de medidas diferentes, costuradas com as circunstâncias de cada economia. É dessa maneira que temos que julgar os resultados do G-20. Estamos falando de um processo de recuperação e não de um único evento que deveria provocar isso. Não faz sentido tirar uma fotografia instantânea do estado do mundo no fim de um encontro internacional. As questões a serem feitas são: para onde estamos indo? Estamos indo na direção certa? Existe uma visão ampla e compartilhada do que devemos fazer? A liderança que foi demonstrada aumentou a confiança? Esses são os patamares sobre os quais se deve julgar a reunião do G-20. E será o primeiro de muitos encontros desse tipo. O objetivo não é "construir Roma" em um dia, ou melhor, "reconstruir Roma em um dia". Precisamos identificar os próximos passos vitais, assegurar que as pessoas se comprometam com isso, e que, com o tempo, esses passos sejam dados.

Valor: Especialistas dizem que os países ricos devem ajudar as nações em desenvolvimento atingidas pela crise ou haverá um novo efeito em cadeia. O senhor concorda?

Mandelson: Acredito que em qualquer crise internacional os mais vulneráveis e frágeis são os mais duramente atingidos. Essas economias enfrentam o maior sofrimento ou têm menos força para resistir aos efeitos da crise. O resto do mundo deve a esses países, mas também a si mesmo, entregar uma ajuda real por meio das instituições internacionais.

Valor: Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os países emergentes não deveriam colocar mais dinheiro no FMI (Fundo Monetário Internacional), porque não são culpados pela crise. Qual é a expectativa do Reino Unido em relação aos grandes países emergentes, como o Brasil, na reunião do G-20? Eles devem contribuir para o estímulo fiscal?

Mandelson: Eles devem fazer a sua parte, que não será a mesma, nem em qualidade ou escala, que outros como os Estados Unidos ou a Europa. Mas ninguém pode abdicar da sua responsabilidade de ajudar o mundo a sair da recessão. Acredito que, provavelmente, a maior contribuição que um país como o Brasil pode fazer é garantir que a economia global e o sistema de comércio mundial se mantenham abertos para os negócios. Garantir que o mundo não ceda a pressões protecionistas, ajudar a fortalecer a base de regras do sistema de comércio internacional, e assegurar que o fluxo de investimento e de comércio de bens e serviços seja mantido nesses tempos de dificuldade para a economia global.

Valor: Mas os países emergentes devem contribuir com mais recursos para o FMI? O senhor é a favor de reformas das instituições multilaterais que deem mais voz aos países em desenvolvimento?

Mandelson: Depende dos superávits que esses países possuem para fazer as contribuições. Certamente acredito em reformas das instituições financeiras, mas a verdade é que a velocidade com que a economia global e o sistema financeiro mudaram sobrepujaram as reformas da governança global. A governança global terá que alcançar as mudanças que vemos na paisagem da economia global.

Valor: No último encontro do G-20, em Washington, os líderes mundiais se comprometeram a lutar contra o protecionismo. Mas um estudo do Banco Mundial mostrou que 17 deles tomaram medidas para fechar seus mercados. Por que isso ocorreu? O protecionismo vai aumentar no mundo? E, nesse contexto, a Rodada Doha está morta?

Mandelson: A Rodada Doha certamente não está morta, mas suas negociações foram postergadas e precisam ser retomadas. As pessoas devem ver a Rodada como uma maneira importante de fortalecer a governança global e os instrumentos regulatórios da economia mundial, porque sua conclusão traria uma contribuição maior do que qualquer outra medida para robustecer as regras comerciais mundiais e, eventualmente, torná-las mais justas para os países em desenvolvimento. Entendo as pressões que existem nos governos. É uma pena a maneira como alguns deles agiram depois do último encontro do G-20 e apenas evidencia a grande força de vontade política e a união internacional que são requeridas para resistir a pressões inevitáveis.

Valor: O governo chinês propôs a adoção de uma nova moeda para as reservas internacionais em substituição ao dólar. Qual é a opinião do governo britânico sobre isso?

Mandelson: Estou contente que o governo chinês esteja levando essas importantes questões tão seriamente e tenha feito uma contribuição tão valiosa nesse debate, que é muito necessário. Também aplaudo, da mesma maneira, a liderança do presidente Lula, que tem sido firme e vigoroso em defender o comércio livre e justo como uma forma de evitar o enfraquecimento da economia global por causa do protecionismo. É uma importante bandeira que ele tomou. E o presidente Lula vai encontrar um aliado muito forte no primeiro-ministro britânico.

Valor: O presidente do Fed, Ben Bernanke, e outras autoridades americanas não veem a sugestão chinesa como algo viável. O senhor acha que pode funcionar?

Mandelson: Eu vejo da maneira como descrevi, como uma valiosa contribuição a um debate necessário desse assunto.