Título: BC solta as amarras do câmbio
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2005, Finanças, p. C1

O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou em reunião extraordinária, na sexta-feira, um pacote que dá mais um passo na liberalização do mercado de câmbio. A principal mudança é que operações que antes só podiam ser feitas pelas contas CC5 - ambiente em que já vigorava ampla liberdade no movimento de capitais - poderão ser fechadas por contratos de câmbio. Também foi aprovada a unificação dos dois mercados, o livre e o flutuante, e flexibilizadas as regras para os exportadores trazerem ao país os dólares de suas vendas. O diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Alexandre Schwartsman, afirma que o pacote apenas simplifica o regulamento cambial, e não altera o grau de conversibilidade do real. "Não antecipo nenhum impacto na cotação do dólar", disse. Ele não descarta, porém, alguma valorização do real em virtude da melhora da percepção do Brasil nos investidores estrangeiros. Ou, em um prazo mais longo, depreciação da moeda ligada ao aumento das remessas, após as regras ficarem mais claras e simples. "A taxa de câmbio tem duas funções: equilibrar o balanço de pagamentos e exercitar a humildade dos economistas, lembrando-os de que podem errar bastante ao fazer projeções". Não se trata de uma liberalização total do câmbio porque toda a legislação que impõe controles, algumas da década de 1930, foi mantida. Sobrevive, por exemplo, o decreto 23.258, de 1933, que exige a cobertura cambial - isto é, os exportadores devem trazer ao Brasil os dólares de suas vendas. Também estão mantidos o curso forçado da moeda nacional e o monopólio de compra e venda de câmbio das instituições autorizadas pelo BC. A lei de remessa de lucros, de 1962, do governo Jango, continua intacta: seguem as exigências de contratos de câmbio e do registro do capital estrangeiro. Mas, se não mudou a legislação superior, o CMN valeu-se de uma interpretação mais flexível desse arcabouço para eliminar controles. Até então, era dominante o entendimento - inclusive entre técnicos do BC - de que a lei da remessa de lucros só autorizava a sair do país capitais que tinham entrado previamente, e suas respectivas remunerações. Brasileiros estavam, portanto, impedidos de remeter dólares, pois os recursos não haviam ingressado antes. Foi justamente devido a esse entendimento que, no início da década de 1990, o BC usou o mecanismo heterodoxo das contas CC5 para criar um ambiente de liberdade cambial. Na retórica oficial do BC, as contas CC5 não estavam sujeitas às restrições da lei de remessa de lucros porque nelas não eram feitas remessas de dólares - e sim transferências internacionais de reais. Assim brasileiros depositavam reais nas contas CC5 que, em seguida, eram convertidos em dólares e remetidos. Agora, com as resoluções aprovadas pelo CMN, as remessas podem ser feitas diretamente pelo mercado de câmbio - ou seja, em dólares, e não mais em reais -, mesmo que não sejam originadas de ingresso anterior. Schwartsman reconhece que mudou a interpretação da legislação. "A doutrina teve grande evolução. A gente aprende ao longo do tempo." Entre as operações que poderão ser feitas estão as remessas para a constituição de disponibilidades no exterior; os empréstimos de brasileiros; e investimentos brasileiros superiores a US$ 5 milhões, que precisavam de carimbo prévio do BC. Para as empresas e pessoas físicas, que já conviviam com um elevado grau de liberdade de fato nas contas CC5, a principal mudança será o aumento da segurança. Usadas nos últimos anos como canal de lavagem de dinheiro, as CC5 ficaram estigmatizadas, e mesmo quem fazia uso legal delas estava sujeito à exposição pública negativa. Outra mudança foi no trato burocrático: o BC especificava com detalhes os papéis necessários para embasar operações de câmbio; agora, caberá ao agente privado determinar a documentação. As CC5 continuam a existir, mas com funções restritas. Serão mantidas por não-residentes para manter depósitos em reais e não poderão ser usadas para transferências internacionais. O pacote amplia a vigilância sobre lavagem de dinheiro, porque os registros foram ampliados. Nas contas CC5, depósitos até R$ 10 mil estavam dispensados de registro, já as operações de câmbio de todos os valores devem ser registradas no BC.