Título: Governadores aderem ao plano habitacional
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2009, Política, p. A13
A presença de apenas um terço dos governadores na cerimônia de lançamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, não significa que o programa não terá acordo nos Estados. Entre os governadores há disposição de acordo. O entendimento varia entre a adesão total ao programa, defendida por aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à resistência quanto à renúncia fiscal nos Estados comandados pelos principais opositores ao presidente.
São Paulo, que poderá ficar com 18% do total de 1 milhão de casas do programa, resiste à renúncia fiscal e à redução no ICMS de produtos ligados à construção. O governador José Serra (PSDB), argumenta que já destina recursos do ICMS para obras habitacionais em seu governo - 1% do arrecadado é destinado ao CDHU, que constrói as casas populares no Estado. Serra não está disposto a fazer concessões tributárias para beneficiar um projeto administrado pelo governo federal, contra quem deverá disputar na eleição do próximo ano. Cotado pelo PSDB para concorrer à Presidência em 2010, o tucano prefere investir na construção de 120 mil casas e deixá-las como marcas de seu governo, mas não descarta participar de projetos no âmbito do plano lançado ontem.
Assim como Serra, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), não deverá aceitar as propostas de criar mecanismos de isenção fiscal. "Renúncia fiscal para habitação popular é uma porta aberta para fraudes. O incentivo melhor é o subsídios com recursos do tesouro estadual", disse o diretor financeiro da Companhia de Habitação do Estado (Cohab), Paulo Sérgio Martins Alves Martins Alves. O Orçamento está ameaçado de contingenciamento em função da queda acentuada da arrecadação estadual no primeiro trimestre. Mas os montantes para investimentos poderão ser preservados por uma linha de crédito com o Banco Mundial já aprovada, que garante aplicação de US$ 1 bilhão.
A proposta do governo federal prevê a construção de 88, 4 mil moradias em Minas, quase três vezes mais do que Aécio deverá construir até 2010 - 28,2 mil moradias.
De acordo com Martins Alves, o governo mineiro pode transformar a parte que lhe cabe no programa federal em uma ação complementar de sua estratégia para a habitação popular no Estado. Isto porque a iniciativa da União só se aplica a municípios com mais de 50 mil habitantes. Em Minas, 57% das cidades têm com menos de 20 mil residentes. "Para as menores cidades, vamos concentrar as ações do programa atual e para as maiores, tentaremos o dinheiro do governo federal", disse. A chave do programa, que atende famílias com até três salários mínimos de renda, é o subsídio. Embora o custo de construção seja de R$ 25 mil a unidade com 36 metros quadrados, o mutuário que ganha até um salário mínimo não arca com mais de R$ 8 mil. Aécio, também cotado para disputar a Presidência, aumentou recursos para o programa nos últimos anos. Em 2008, foram R$ 75 milhões. Este ano, R$ 138,9 milhões. Ainda assim é um total que não passa de cerca de 1,25% dos R$ 11 bilhões previstos para 2009.
A queda da arrecadação e dos repasses federais para o Estado por conta da crise econômica também foi a justificativa do governo gaúcho, comandado por Yeda Crusius (PSDB), para descartar a desoneração de ICMS sobre os materiais de construção. A participação no programa, entretanto, não foi afastada e o diretor técnico de habitação da Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, Marcelo Soares, afirma que o Estado quer ser parceiro. Uma das formas seria a cessão de áreas que pertenciam à extinta Cohab para a construção dos imóveis. O Estado analisa entrar com contrapartidas para ampliar subsídios à construção de moradias para famílias com renda até três salários mínimos. Mas o governo quer que R$ 1,2 bilhão dos R$ 16 bilhões previstos em subsídios para essa faixa de renda vá para municípios com até 50 mil habitantes.
O governo gaúcho tem dois programas habitacionais próprios e contribui com contrapartidas para o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH) do governo federal. O Estado construiu 2,6 mil casas em 2008 e prevê 4 mil em 2009. Assim como na proposta do governo federal, em alguns casos as famílias beneficiadas pagam prestações "simbólicas" para os fundos municipais de habitação das prefeituras parceiras do governo estadual.
No Rio, o governador Sérgio Cabral (PMDB) promete que o Estado será o líder do programa de habitação, apesar de ainda não acenar para redução do ICMS. Cabral tem como secretário de Fazenda Joaquim Levy, mais conhecido por cortar despesas do que por reduzir alíquotas tributárias. O governo estadual tem o plano de construir 100 mil unidades. De acordo com o programa, o Rio terá crédito da Caixa Econômica Federal para construir 75 mil unidades. O restante será custeado com recursos próprios. "O Estado do Rio vai saber responder muito bem à demanda do presidente Lula e da ministra Dilma", afirmou Cabral.
A renúncia fiscal de ICMS em um ano de crise não representa problema para o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira (PMDB), apesar de o Estado ainda estar em reconstrução por conta das enchentes de novembro. "A casa própria é a carteira de identidade da família, por isso é claro que vamos ser parceiros do governo federal em tudo que for necessário", disse. Para Luiz Henrique, que é candidato declarado ao Senado em 2010 e pretende colocar Eduardo Pinho Moreira (PMDB) como seu sucessor, uma adesão ao programa de Lula poderá auxiliar na busca de votos.
Na avaliação da presidente da Cohab de Santa Catarina, Maria Darci Beck, o programa federal teve uma "parte eleitoreira". Ela criticou o "volume pequeno" de moradias para o Estado: 24.449, praticamente metade do que o Estado sugeriu. "Mas é um programa importante por ser também motivacional, cria um clima melhor para o setor de habitação e incentiva os empresários a serem parceiros do Estado". Desde 2006, 25 produtos da construção civil têm incentivo no ICMS em Santa Catarina, com recolhimento de 12%.
Além da renúncia fiscal, outro problema apontado é a "excessiva concentração" do financiamento dos mutuários na Caixa, como resumiu o presidente do Fórum Nacional dos Secretários de Habitação, Carlos Marun, de Mato Grosso do Sul. "Ela já está lotada com as obras do PAC. Precisamos trabalhar com outros agentes financeiros". A crítica foi reforçada por Aécio Neves. Para o mineiro, a Cohab poderia ser uma agente financeira, e não apenas tomadora dos recursos.
Com menos resistência entre os governadores, a concentração de moradias na área urbana, prevista pelo programa, também gera divergências. Carlos Marun reclamou que dos 78 municípios do MS, 73 ficarão de fora, por terem menos de 50 mil habitantes. Ele argumentou que ao deixar de fora os municípios com menos de 50 mil habitantes - maioria no Brasil - poderia estimular migrações a maiores centros urbanos.
No Paraná, entretanto, o presidente da Companhia de Habitação, Rafael Greca, destacou o fato de o pacote ser mais vantajoso para regiões metropolitanas ao dar maiores subsídios para cidades com mais de 100 mil habitantes e disse que, por isso, o Estado vai continuar a tocar projetos próprios em municípios menores. O governo paranaense recebeu o pacote com animação. Para o presidente da Companhia de Habitação, Rafael Greca, o projeto "é bom e vamos participar com entusiasmo", disse . "Nosso temor de que o dinheiro fosse só para as construtoras foi dissipado", disse. O Paraná financiou 23 mil casas a famílias de até cinco mínimos desde 2003.
Em Pernambuco, o programa estadual será mantido. A Secretaria das Cidades, comandada pelo ex-ministro Humberto Costa, prevê a construção de 21 mil unidades até 2010 ao mesmo tempo em que plano federal prevê outras 44 mil casas. Desde o início da gestão Eduardo Campos (PSB) foram entregues 4.357 casas. Segundo Costa, a maior parte dos R$ 245 milhões que serão gastos com o programa estadual prevê verba federal. "Ainda não sabemos se haverá uma integração dos projetos, mas a ideia é mantê-lo." Enquanto o projeto de Dilma prevê a compra das casas pelas pessoas, o programa estadual doa, em geral, as unidades para famílias de baixa renda. Para Costa, o programa inovou ao reduzir taxas para o registro do imóvel e ao permitir que a parcela de entrada só seja paga depois que a pessoa estiver vivendo na nova casa. Costa, que tem planos de se lançar deputado federal, afirma que eleitoralmente o projeto é bom para todos, não apenas para Dilma. "Em obras em que há a participação do governo federal, estadual e das prefeituras, todos saem ganhando."
Mesmo com o lançamento do programa, ainda há reclamações sobre a falta de informações. É o caso do secretário de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano do Espírito Santo, Paulo Ruy Valim Carnelli: "Consideramos o programa positivo e estamos dispostos a fazer que o plano seja um sucesso, ainda que nos faltem detalhes."