Título: Como republicanos e democratas votam no governo Obama
Autor: Roma , Celso
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2009, Opinião, p. A16

Sempre se alegou que os partidos Democrata e Republicano dos Estados Unidos são pragmáticos e indisciplinados quando comparados com seus congêneres europeus; no entanto, essa suposição reforça um conceito simplista dos partidos americanos. Ao observarmos o comportamento dos deputados e dos senadores nas votações do Congresso, podemos encontrar fortes evidências da ideologia e unidade dos partidos. Não obstante as circunstâncias em que os congressistas se encontram, devido à crise econômica pela qual o país atravessa, a maioria deles continua votando de acordo com a filiação partidária.

Os elementos que permitem avaliar o desempenho dos partidos nesse quesito são oriundos das votações nominais, ou seja, daquelas com registro do voto dos parlamentares, realizadas no interior do plenário da Câmara dos Representantes e do Senado, de 06 de janeiro, quando se iniciou a 1ª Sessão do 111º Congresso dos EUA, a 13 de fevereiro.

Em primeiro lugar, os partidos quase sempre divergem entre si quando se reúnem para deliberar nas duas Casas Legislativas. Na Câmara, isto ocorreu em 43 das 69 votações. No Senado, os partidos se polarizam de um modo mais intenso. Eles discreparam em 58 das 64 votações, inclusive a que ratificou a indicação de Timothy F. Geithner para Secretário do Tesouro. Republicanos e democratas emitem votos diferentes sobretudo quando estão em pauta a agenda econômica e as regras que regulam o trabalho legislativo.

A razão por que os partidos estão discordando é que os problemas contemporâneos da economia envolvem suas crenças elementares, forjadas na década de 1930, quando se consolidam os pensamentos de matiz liberal e conservador, na acepção americana. Em certo sentido, o debate atual sobre o papel do Estado na economia alude ao desafio e às soluções apresentadas pelo presidente republicano Hebert Hoover (1929-1933) e o seu sucessor o democrata Franklin D. Roosevelt nos dois primeiros mandatos (1933-1941).

Assim como eles fizeram 80 anos atrás, diante do contexto semelhante ao atual, caracterizado pela recessão e a tomada de medidas intervencionistas por parte do Estado, democratas e republicanos marcam suas respectivas posições: a favor ou contra o controle das operações do mercado financeiro; a favor ou contra a concessão de subsídios para o setor produtivo; a favor ou contra o protecionismo; a favor ou contra o aumento dos gastos públicos. As ideologias dos partidos, interpretadas como meras abstrações, representam, em termos concretos, os interesses de seus eleitores em torno desses temas.

Há excepcionalmente consenso entre os congressistas de ambos os partidos. No período analisado, os deputados em conjunto expressaram concordância em 26 votações, por assim dizer, de pouca importância para a política, como, por exemplo, honrarias e datas comemorativas. Os senadores estiveram de acordo em somente seis votações, ainda assim: três delas se enquadram na tradição de eles confirmarem os indicados pelo presidente da República para ocuparem cargos no governo ou em agências, no caso, Hillary Rodham Clinton como Secretária de Estado, Daniel K. Tarullo como um dos conselheiros do Banco Central americano (Federal Reserve System) e William J. Lynn III como vice-secretário de Defesa; duas visam garantir a competitividade como critério para definir os contratos e convênios a serem estabelecidos com o governo, expressando um valor universal entre os políticos americanos; uma se refere ao envio de recursos financeiros para ajudar os Estados onde o nível de escolaridade das crianças está abaixo da média nacional.

Além de terem bases programáticas, os partidos reúnem quadro de parlamentares que se comportam de forma coesa. Isto pode ser atestado pelo índice de Rice, uma medida utilizada para aferir o grau de semelhança dos votos listados por um grupo, cujos valores variam de 0 (quando o partido está dividido ao meio) a 100 pontos (quando o partido está perfeitamente unido). Do cálculo desse índice foram excluídas as faltas e as abstenções, ocorrências raras - convém ressaltar - no Legislativo americano. Em média, oito dos 435 deputados e dois dos 100 senadores faltam ou se abstêm das votações polêmicas.

Os congressistas do Partido Democrata tendem a ser mais disciplinados do que os do Partido Republicano. Os democratas alcançaram taxas médias de unidade na casa dos 90 pontos, tanto na Câmara como no Senado. Em apenas três das 101 votações polêmicas, eles obtiveram escores menores do que 50. Do lado republicano, os números estão em um patamar inferior: os deputados atingiram escore médio de 86 pontos e os senadores, de 75. A pontuação dos republicanos ficou abaixo de 50 em oito votações, contra três dos rivais. Os democratas, cotejados com os republicanos, destacam-se também por votar de maneira mais estável, conforme sugerem os valores do coeficiente de variação. Em outras palavras, a conduta da bancada democrata varia menos de uma votação para outra.

Diante desse cenário, o presidente Barack Obama está depositando na disciplina dos congressistas democratas a esperança de aprovar seus próximos projetos em âmbito parlamentar. Ao cabo de muito esforço e de concessões aos adversários, ele pode conseguir - e conseguiu no mês passado - o apoio de uma parcela diminuta dos republicanos, um desafio que se revelou mais difícil na Câmara do que no Senado.

Os partidos Republicano e Democrata têm ideologia e unidade interna, atributos que podem ser observados na atuação dos congressistas. Acordos bipartidários e atos de indisciplina constituem exceções, e não a regra da produção legislativa. As características que estruturam o funcionamento do Congresso dos EUA há mais de um século também se manifestam no início do governo Barack Obama.

Celso Roma é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).