Título: Vale vai além do cobre em Moçambique
Autor: Ribeiro , Ivo
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2009, Empresas, p. E2

A Vale do Rio Doce poderá se tornar também uma grande geradora de energia em Moçambique, além da mais importante mineradora de carvão mineral do país, com a operação de uma mina no distrito de Moatize, cuja instalação começa hoje. O governo moçambicano estima que a empresa brasileira investirá até US$ 2,8 bilhões na construção de uma térmica movida a carvão, a ser erguida em três ou quatro fases, com potência para gerar entre 1,5 mil megawatts (MW) e 2 mil MW. A informação foi passada pelo ministro de Energia, Salvador Namburete, pela ministra de Recursos Minerais, Esperança Bias, e pelo diretor do CPI (Centro de Promoção de Investimentos), Rafique Jusob.

A mina de carvão da Vale, com capacidade para 11 milhões de toneladas e investimento superior a US$ 1,3 bilhão, tem previsão de ficar pronta em dezembro de 2010. Está desenhada para produzir 8,5 milhões de toneladas de carvão metalúrgico, usado na fabricação de aço, e 2,5 milhões de toneladas de carvão térmico, com finalidade para geração elétrica. Boa parte deste tipo de carvão seria a matéria-prima para a termoelétrica.

Por meio da assessoria de imprensa, a Vale informou que "existe um projeto para uma térmica em Moçambique, mas que está ainda na fase de avaliação". Observou que, "portanto, nenhum número relativo a cronograma ou investimento está definido". A companhia acrescentou que o projeto será ainda enviado à apreciação do conselho de administração.

O ministro de Energia disse que esse investimento faz parte de um pacote que prevê triplicar a capacidade de geração de energia do país, atualmente de 2,3 mil MW. A maioria da energia seria exportada para países vizinhos, principalmente para a África do Sul. O país vizinho já compra expressiva quantidade da energia gerada na hidrelétrica de Cabora-Bassa, retomada dos portugueses em 2007 por US$ 950 milhões. Outros interessados no insumo são a Namíbia, o Zimbabúe e Botsuana, além do próprio país.

Moçambique se beneficiaria com esses empreendimentos tanto na disponibilidade de energia para atrair investimentos de indústrias eletrointensivas, como fundições de alumínio, de ferro-ligas e fábricas de cimento, quanto na geração de divisas com a venda aos países da região, que convivem com déficit de oferta. Hoje, o país já recebe cerca de US$ 300 milhões ao ano com o excedente exportado de Cabora-Bassa.

Além do projeto da Vale, Namburete mencionou uma térmica da australiana Riversdale, estimada em US$ 1,5 bilhão, e duas novas hidrelétricas. Uma delas, em estágio de estudos avançados, é tocada pelo grupo brasileiro Camargo Corrêa. A outra refere-se à construção de Cabora-Bassa Norte, que encontra-se na fase de estudos e foi preliminarmente orçada em US$ 1 bilhão.

O projeto da Camargo Corrêa no rio Zambesi - segundo maior da África - está previsto para gerar 1,5 mil MW, podendo atingir 2,3 mil MW numa segunda etapa. A hidrelétrica de Mphanda Nkuwa, segunda informação do grupo, tem investimento previsto nessa primeira fase de US 1,5 bilhão e o projeto encontra-se na fase de estruturação do Project Finance. Está prevista a venda de cerca de 70% a 80% da energia para o mercado sul-africano. No momento, a Camargo negocia um contrato de pré-venda (o PPA) com a Eskon, companhia elétrica da África do Sul. Associado à usina, há uma linha de transmissão de mais de 1.200 quilômetros, orçada em US$ 1 bilhão de investimento adicional.

Com a mina de carvão de Moatize, a Vale busca tornar-se também uma empresa global no negócio de carvão, assim como suas rivais em minério de ferro - as australianas Rio Tinto e BHP Billiton. Esse time é composto ainda pela sul-africana Anglo American e pela suíça Xstrata. Essas companhias produzem os dois tipos de carvão. A BHP, maior mineradora do mundo em valor de mercado, por exemplo, produziu no segundo semestre do ano passado 35,3 milhões de toneladas de carvão térmico e quase 20 milhões do metalúrgico. Os dois produtos renderam, juntos, receita superior a US$ 9 bilhões.

A Rio Tinto é a líder nesse segmento, com produção de 160 milhões de toneladas em 2008. A Anglo extraiu 99,5 milhões de toneladas e a Xstrata pouco mais de 85 milhões. A BHP informa que é a maior comercializadora no mercado mundial de carvão metalúrgico.

O projeto de Moatize, na província de Tete, em Moçambique, é o maior da brasileira, que já opera minas na Austrália e tem parcerias na China e atividades em desenvolvimento na África do Sul. No ano passado, com vendas de pouco de 4,1 milhões de toneladas dos dois tipos de carvão, a Vale obteve receitas de US$ 577 milhões.

Moatize é um projeto que integra mina e ferrovia a um terminal portuário de terceiro no litoral do Oceano Índico, na cidade de Beira, na província de Sofala. A ferrovia tem 600 quilômetros de extensão. A reserva mineral, uma das maiores do mundo, poderá permitir programas de expansão no futuro. Apenas em ações sócio-ambientais, desde a fase de estudos de pré-viabilidade, até o fim da vida útil da mina, previsto em 35 anos, estão orçados investimentos de US$ 170 milhões. São projetos nas áreas de educação, saúde, lazer, esportes, qualificação de pessoas para desenvolvimento de atividades sustentáveis e o reassentamento de 1.047 famílias que hoje vivem na área de extração do minério.

O carvão da Vale terá como destino comercial o Brasil (que é 100% importador do tipo metalúrgico, com 13 milhões de toneladas em 2008), países da Ásia, Oriente Médio e Europa. No ano passado, o carvão usado na siderurgia teve alta de 220% no preço, passando a valer mais de US$ 300 a tonelada. Para 2009, com a crise financeira global, as primeiras negociações indicam queda de 60%. O térmico sinaliza retração de até 50%.