Título: Alta de custo de vida na Venezuela faz florescer o câmbio paralelo
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2009, Internacional, p. A11

Um imenso painel de publicidade estatal, com o presidente Hugo Chávez animado, anuncia aos recém-chegados ao aeroporto internacional Simón Bolívar, em Caracas, logo na sala de controle imigratório: "A Venezuela se libertou, e se libertou para sempre". Mas basta o visitante recolher a bagagem e pisar no saguão principal para levar um choque de realidade. "Senhor, aqui na Venezuela existem dois tipos de dólar: o oficial e o não-oficial", avisa um policial que, apesar de fardado, usa o expediente para abordar turistas e oferecer a troca de moeda estrangeira pelo câmbio paralelo.

Com uma inflação anual em torno de 30% e um mercado paralelo em que o dólar vale até 200% mais que a taxa oficial, congelada em 2,15 bolívares fortes desde 2003, o custo de vida sobe rapidamente e os salários se deterioram. A revista britânica "The Economist", que divulgou no início do mês um levantamento com 132 grandes cidades de todo o mundo, colocou Caracas como a 21ª mais cara, à frente de Dubai, Nova York ou Londres - no ano anterior, a capital venezuelana estava na 35ª posição. Só para comparação, São Paulo e Rio estavam empatados em 83º lugar.

No fim da semana passada, o mercado paralelo ficou completamente parado para grandes transações, devido ao bloqueio de uma conta "guarda-chuva" no Bank of America, nos Estados Unidos. As autoridades americanas congelaram a conta de Miami da Rosemont Finance Corporation, por meio da qual doleiros venezuelanos faziam movimentações bancárias com subcontas, para investigar um aumento súbito de negócios nos últimos dias.

Pelo menos 49 corretoras da Venezuela que usam os serviços da Rosemont para trocar títulos soberanos venezuelanos por títulos do Tesouro americano - um artifício comum para obter dólares - teriam um total de US$ 100 milhões na empresa de Miami, segundo o informe financeiro caraquenho "Reporte Diario de la Economia".

Russel Dallen, diretor de mercado venezuelano no BBO Financial Services, disse ser "surpreendente que isso [intervenções e investigações de evasão de divisas] não aconteça com maia frequência.

Essa é uma forma amplamente usada por investidores e indústrias venezuelanas para burlar a restrição à saída de divisas para a importação de matérias-primas, por exemplo, afirma Orlando Ochoa, professor da Universidade Católica Andrés Bello.

A deterioração do poder adquisitivo tem levado inúmeros sindicatos - de médicos, professores, petroleiros e trabalhadores do metrô - a ameaçar a convocação de greves para recompor salários. Pela primeira vez em cinco anos, segundo estimativas do Instituto Datanálisis, o consumo privado deverá cair na Venezuela em 2009. Nos últimos 12 meses, o preço dos alimentos acumula uma alta de 40,1%. O índice geral está em 28,8% ao ano (dado de fevereiro), embora a meta do governo seja de 15%.

Para o sócio-diretor do Datanálisis, Luis Vicente León, a inflação e a ameaça de greves são hoje os principais riscos para a perda de popularidade do presidente. Ele diz que Chávez estimulou a criação de sindicatos "bolivarianos" para contrabalançar o poder de confederações sindicais mais tradicionais, como a CTV, próxima da oposição. "Esses sindicatos paralelos foram usados pelo governo não só para debilitar seus rivais, como para propiciar justificativas de expropriações ou intervenções em empresas privadas."

León lembra que a tomada de um terreno da Coca-Cola e a nacionalização do grupo siderúrgico argentino Sidor ocorreram após problemas com os trabalhadores dessas empresas. O paradoxo, de acordo com o analista, é que a transformação do Estado em um patrão cada vez mais importante na economia venezuelana também o torna alvo de protestos e reinvidicações dos mesmos trabalhadores.

Para ele, é essa a principal pressão - e não a arrecadação menor por causa da queda do petróleo - sobre Chávez no curto prazo. León acredita que "o ponto de equilíbrio entre uma crise conjuntural e uma crise estrutural" é o valor de US$ 50 para o barril do petróleo, mas só em 2010. Até lá, sublinha, o governo tem alternativas antes de cortar gastos sociais.

Duas dessas alternativas - aumento do endividamento público (hoje em pouco mais de 30% do PIB) e uso das reservas internacionais (que caíram de US$ 38 bilhões para US$ 28 bilhões nos últimos três meses) - já vêm sendo implementadas. A terceira pode ser a venda de ativos como a Citgo, subsidiária da PDVSA nos Estados Unidos, avaliada em mais de US$ 9 bilhões.