Título: BNDES analisa R$ 80 bilhões em projetos de três setores-chave
Autor: Vera Saavedra Durão e Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2005, Brasil, p. A3

Um levantamento feito pela área de insumos básicos do BNDES constatou a existência, em perspectiva ou já demandando crédito do banco, de projetos nas áreas de siderurgia, papel e celulose e petroquímica que somam aproximadamente R$ 80 bilhões a serem investidos nos próximos oito a dez anos. Os números foram revelados em entrevista ao Valor por Demian Fiocca, vice-presidente do BNDES e responsável pelas áreas de infra-estrutura e insumos básicos da instituição. "Entre projetos em carteira, em análise e em perspectiva, temos uns 30. Em valor, eles somam R$ 30 bilhões na siderurgia, R$ 20 bilhões em papel e celulose, e R$ 30 bilhões no setor petroquímico. Em geral, o banco entra financiando de 50% a 60% de cada empreendimento." Fiocca adiantou que o banco, preocupado em aprofundar o desenvolvimento de fontes alternativas de energia para assegurar a sustentabilidade desse novo ciclo de investimento, vai melhorar as condições de empréstimo no âmbito do Programa de Apoio Financeiro a Fontes Alternativas (Proinfa). Nos próximos 15 dias, a diretoria estará aprovando o aumento da participação do BNDES nos empréstimos do Proinfa de 70% para 80% do valor do empreendimento. Além disso, o prazo de pagamento passa de 12 para 14 anos, já incluindo dois de carência. A prioridade ao setor ferroviário, no âmbito dos projetos de infra-estrutura, foi ressaltada por Fiocca. O BNDES deverá assinar em breve um protocolo de intenções para concessão de empréstimo à Brasil Ferrovias. Também estuda possível participação acionária na Transnordestina, ferrovia que é "menina dos olhos" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A seguir, os principais trechos da entrevista: Valor: Valor: O novo modelo do setor elétrico pegou? Ainda é possível perceber alguma insegurança por parte dos investidores... Demian Fiocca: Em todas as áreas da economia sempre existem pleitos. E existem interesses que precisam chegar a um ponto ótimo. No caso de energia, não é diferente, ou seja, o desejo do investidor é ter a maior tarifa possível. A intenção do governo é combinar uma remuneração que atraia o investimento com uma tarifa o mais baixa possível para o consumidor. Agora, concretamente, eu diria que o novo modelo de energia tem três grandes testes: transmissão, a energia velha e a energia nova, que são as três coisas reguladas. E o que dá para dizer com segurança é que dos três testes, por dois ele já passou, ou seja, os leilões de transmissão foram bem-sucedidos, e o de energia velha teve grande demanda e preços relativamente baixos para o investidor. O terceiro é o leilão de energia nova, que deverá ocorrer até meados do ano. Havendo o leilão de energia nova e havendo confirmação do interesse em fazer investimentos, passou (o modelo) em todos os testes e estará em pleno funcionamento. Valor: Valor: A Cesp está ameaçando falir por causa do preço baixo do leilão de energia velha... Fiocca A Cesp é outro assunto. Ela tem uma situação muito peculiar. Não há termo de comparação. O problema dela vem de um período de endividamento elevado. Na verdade, se colocaram na Cesp dívidas que eram do Estado. E da própria Cesp, porque quando se privatizou parte da geração da empresa para a AES e a Duke, ela herdou dívidas que não eram resultantes da sua operação. Eu diria que os ativos da Cesp valem mais que o valor dessa dívida. Valor: Valor: O BNDES planeja alguma inovação no financiamento do setor elétrico? Fiocca: A novidade é um outro aspecto do programa energético do governo, é o Proinfa (Programa de Apoio Financeiro a Fontes Alternativas). É um programa menor do ponto de vista do total de geração de energia, embora não seja pequeno, podendo alcançar uma geração adicional de 3.300 megawatts, de uma capacidade hoje instalada de 82 mil megawatts, ou seja, 4% do total, algo que não é enorme, mas é relevante. Ele promove geração em unidades menores, PCHs, biomassa e energia eólica. Valor: Valor: Como é que está o programa? Fiocca: O BNDES já enquadrou 23 projetos, de financiamentos diretos e indiretos. Desses 23, quatro já foram aprovados, 12 passaram pelo processo de análise e oito estão em análise. Agora, o que é que tem de novo? Pelos méritos do projeto, tanto o BNDES como o MME identificaram a importância de conseguir acelerar sua implementação (todos devem entrar em operação até dezembro de 2006), e também de estimular que se façam mais projetos. A área técnica está estudando uma proposta, para ser concluída, provavelmente, em 15 dias, de aumentar a participação do banco no investimento total, com aumento do prazo de financiamento. Hoje o banco financia até 70% do valor total, com prazo de dez anos e dois de carência. A proposta é passar para até 80%, com 12 anos, mais 2 de carência. Valor: Valor: Os 23 projetos são todos de PCHs? Fiocca: A maioria, mas tem também energia eólica e biomassa (aproveitamento de bagaço de cana, cavaco de madeira e casca de arroz). Pelo projeto original, era para serem gerados 1.100 megawatts de cada uma das três fontes. A biomassa não atingiu os 1.100, porque tem um preço menor da energia e teve menos atratividade. Mas aumentou o número de PCHs (67, no total) e também a participação da energia eólica. O programa é muito meritório, até pelo fato de incluir empresas menores. Valor: Valor: Vai ser dada uma prioridade? Fiocca: O Proinfa já é um programa prioritário, dez anos é um prazo acima da média do banco. E, é claro, a Eletrobrás dá suporte, garante a compra da energia produzida. Valor: Valor: Havendo demanda, a idéia é de que se possa ir além desses 3.300 megawatts? Fiocca: Existem demandas de PCHs fora do Proinfa que o banco apóia também. E, no caso do Proinfa, há outra iniciativa, que o BNDES tomou com os fundos de pensão e que vai contribuir para acelerar esses investimentos. É a criação do Fundo Brasil Energia, gerido pelo banco Pactual e administrado pelo Bradesco. Ele tem os fundos de pensão e a BNDESPar como cotistas. Há uma gestão profissional e a grande alavancagem que o fundo vai promover é que vai entrar em equity (participação acionária). O fundo tem capital de R$ 740 milhões. O BNDES entrou com 24,5%, a Petros entrou com 25%, a Funcef com 22,3%, a Fapes (BNDES) entrou com 4%, O Banco do Brasil entrou com 8,1%, a Real Grandeza (Furnas) entrou com 10% e o Pactual, que é o gestor, tem 4% das cotas. Valor: Valor: Há uma grande carência de investimentos em infra-estrutura, especialmente estradas. Há alternativas além das parcerias público-privadas (PPPs)? E há um plano B para o caso de as PPPs não vingarem? Fiocca: O esforço do governo federal vinha sendo, e continua, no sentido de reduzir os gastos de funcionamento da máquina, no sentido de abrir espaço para investimentos e gastos sociais. A esse propósito, vi várias matérias em que havia certa confusão de termos, porque uma coisa é o jargão orçamentário, e outra é o sentido lato das palavras. Algumas vezes se apresentou o aumento da despesa corrente como se fosse aquilo que intuitivamente chamamos de gasto de funcionamento (aluguel, papel, xerox, conta de luz, salários etc). Despesa corrente inclui isso, mas também inclui atividades finalísticas da área social. Por exemplo, o pagamento do Bolsa-Família (Fome Zero) é despesa corrente. Se o programa tiver o sucesso de alcançar mais um milhão de pessoas, aumenta a despesa corrente. Então, o governo vem aumentando o gasto finalístico dentro das despesas correntes e o gasto em infra-estrutura. Claro, saímos de uma situação muito dura em 2003, na qual a economia não cresceu, e além disso se aumentou o superávit primário sem aumento de impostos. Então, o investimento caiu muito forte. Em 2004 já melhorou. Em 2005 vai melhorar um pouco mais. As Parcerias Público-Privadas são um instrumento adicional. E não são só elas, há também as concessões. Já estão em consulta pública editais para oito trechos de concessões. Há também o investimento público direto, que vem crescendo. Não tenho dúvida de que o nível de investimento em infra-estrutura está melhorando em várias áreas. Em algumas, como as ferrovias, que tiveram um longo período com problemas, nos últimos dois anos cresceram muito os investimentos. Valor: Valor: O presidente do banco, Guido Mantega, disse que as ferrovias são prioridades inegáveis, destacando a Transnordestina. Há também o caso da Brasil Ferrovias... Fiocca: Nesse caso, é uma malha importantíssima para o país, é uma malha ferroviária de um Estado com grande atividade econômica (São Paulo) e que vinha com baixos investimentos. A idéia é viabilizar um plano de investimento adicional, com recursos do BNDES e dos acionistas. Deve estar fechado em breve. Valor: Valor: E a ferrovia Transnordestina? Fiocca: Está em estudo. Ali é uma concessão privada. É um projeto grande. Há uma composição financeira que não é fácil, mas estamos interessados em participar. Valor: Valor: O banco pretende mesmo manter a política da gestão anterior de ter participação acionária nos novos projetos siderúrgicos, como o da Thyssen-Krupp e o da siderúrgica do Ceará? Fiocca: Do ponto de vista do banco temos todo o interesse em apoiar investimentos no setor siderúrgico. A participação depende de cada projeto. Há sempre a possibilidade. Valor: Valor: No caso do Ceará, por exemplo, no qual vocês já assinaram um memorando... Fiocca: É um memorando de entendimentos pelo qual vamos discutir de que forma vamos entrar. Há o pleito de que nós entremos não só como financiadores, mas com alguma coisa como renda variável. O BNDES participar no capital não é novidade, é uma das suas políticas. Então, o que se pode dizer é que o banco vê com muito bons olhos o fato de nessa área de insumos básicos, após 20 anos de baixos investimentos, seja em siderurgia, petroquímica ou papel e celulose, o fato é que estamos em um novo ciclo de investimentos e nós vamos apoiar da maneira que possamos contribuir para viabilizar os projetos. Não há uma receita de bolo. Valor: Valor: E o que existe mesmo em termos de demanda? Fiocca: Entre projetos em carteira, em análise e em perspectiva, temos uns 30 projetos. Tivemos algumas reuniões de projetos em papel e celulose - Bahia-Sul é um deles, no valor de US$ 1,3 bi. Nos três setores, nos próximos oito ou dez anos, dá R$ 30 bilhões no siderúrgico, R$ 20 bilhões em papel e celulose e R$ 20 ou R$ 30 bilhões em petroquímica. O banco, em geral, entra com 50% a 60% do investimento (em empréstimo). Definir a participação exata seria um chute. Valor: Valor: O banco continua negociando com a Arcelor uma participação acionária entre 10% a 15% na holding que ela está criando para o Brasil? Fiocca: Estamos conversando com a Arcelor, mas não temos ainda uma definição.