Título: Novas medidas fiscais podem ter pequeno impacto inflacionário
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2009, Brasil, p. A4

As medidas fiscais anunciadas ontem pelo governo podem ter um impacto levemente inflacionário sobre os preços ao consumidor. Enquanto o aumento da tributação sobre o cigarro pode causar uma alta de até 0,26 ponto percentual no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), se as cotações do produto subirem 30%, a redução temporária dos impostos sobre materiais de construção e motos deve aliviar o indicador em apenas 0,05 ponto percentual.

Esse cenário, porém, não preocupa os analistas. Primeiro, porque não há a certeza de que o aumento da taxação será repassado integralmente aos preços dos cigarros. Além disso, o cenário para a inflação é extremamente benigno, como mostrou o resultado do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) de março. Ajudado especialmente pelo forte recuo das cotações dos produtos agropecuários e industriais no atacado, o indicador caiu 0,74%, o menor percentual desde junho de 2003. O tombo de 0,17% dos custos na construção - que deve recuar ainda mais com a diminuição dos impostos divulgada ionte - também ajudou.

A economista Basiliki Litvac, da MCM Consultores Associados, lembra que os cigarros têm um peso de 0,86% no IPCA, o indicador que serve de referência para o regime de metas de inflação. Se os preços do produtos subirem 25%, o IPCA terá alta de 0,22 ponto percentual, calcula ela. Basiliki não acredita, contudo, que o repasse ocorrerá de uma vez só. Ela nota que em 2007 houve um aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 30% sobre os cigarros, que foi incorporado às cotações ao longo de 18 meses. "É provável que o reajuste se dê mais uma vez em etapas", afirma ela, observando que a Souza Cruz, uma das grandes empresas do segmento, já tinha elevado os preços em 5%, em média, em meados de março.

No caso das reduções dos impostos anunciadas ontem, a estimativa do economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, é de um efeito deflacionário no IPCA de 0,05 ponto, dos quais 0,04 ponto proveniente dos materiais de construção e 0,01 das motos. A diferença é que a queda da taxação sobre esses produtos têm data para acabar, ao passo que o mesmo não ocorre com a elevação do IPI sobre cigarros.

O analista Francis Kinder, da Rosenberg & Associados, é cético quanto à possibilidade de as fabricantes de cigarros conseguirem repassar integralmente o aumento de impostos, por causa da forte desaceleração da atividade econômica. Ainda que o consumo desse produto reaja pouco à variação de preços, ele acha que as empresas não terão como elevar as cotações entre 20% e 30%. "O saldo final destas mudanças, no curto prazo, deve ser desinflacionário", acredita ele.

Uma dúvida é saber se os preços de carros - que tiveram a redução do IPI renovada por mais três meses -, material de construção e motos voltarão a subir imediatamente quando o benefício tributário terminar. Dado o grau de desaquecimento da demanda, Kinder aposta que não haverá espaço para a volta das cotações aos patamares anteriores. Gomes Filho avalia que esses cortes de impostos serão prolongados até o fim do ano, devido à severidade da crise.

O quadro inflacionário é tão favorável que o eventual impacto das medidas sobre os preços não preocupa. O IGP-M de março trouxe um festival de boas notícias, especialmente no atacado, que recuou 1,24%. A maior contribuição veio dos produtos agropecuários, que mergulharam 2,82%, depois de subir 1,25% em fevereiro. Os produtos industriais no atacado também tiveram deflação de 0,72%.

Uma das principais quedas nesse grupo foi a do grupo metalurgia básica, que caiu 3,7%, a menor variação desde o início da série, em 1996, segundo a LCA Consultores. A demanda fraca e a perspectiva de que o minério de ferro poderá cair de 20% a 40% neste ano contribuem para a queda desses produtos, diz Kinder. "Nos preços industriais, não há pressão de custos, já que a demanda retraída impede qualquer repasse da alta do câmbio aos produtores", afirma ele, que trabalha com uma alta de 2% para o IGP-M no ano. "É possível que eu tenha que reduzir essa estimativa, dependendo da queda dos preços do minério de ferro", afirma ele. Gomes Filho aposta em um IGP-M de 1,5% em 2009, considerando possível até mesmo um resultado próximo de zero, dependendo do comportamento das commodities.

Outra fonte de alívio veio do Índice Nacional dos Custos da Construção (INCC), ainda que o peso no IGP-M seja de apenas 10%, bem menor que o de 60% das cotações no atacado. O recuo de 0,17% foi a menor variação desde abril de 1998. O desaquecimento da atividade econômica tem jogado os preços do setor para baixo, segundo Kinder.

O tombo dos produtos siderúrgicos também ajuda nessa trajetória favorável dos custos na construção. Com a queda da tributação sobre material de construção, as perspectivas para o INCC são promissoras, acreditam Basiliki e Kinder. Os preços ao consumidor, por sua vez, não tiveram grande alteração, registrando alta de 0,43%, acima do 0,4% do mês anterior.

A queda expressiva das cotações no atacado prenuncia momentos tranquilos para os preços no varejo daqui para a frente, embora a ocorrência de deflação ao consumidor nos próximos meses seja vista mais como possível do que como provável. O economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, lembra que os preços administrados (como tarifas públicas) e os serviços (como aluguel, condomínio, cabeleireiro) têm maior rigidez, por serem muito influenciados pela inflação passada. Isso dificulta a ocorrência de uma variação negativa do IPCA nos próximos meses, acredita ele. Gomes Filho, por sua vez, considera possível uma deflação do indicador em março, a depender do comportamento dos preços dos alimentos. O IPCA-15 de março, que mede a inflação entre a segunda quinzena de fevereiro e a primeira deste mês, teve alta de apenas 0,11%.