Título: Há boas chances de avanço na reunião londrina do G-20
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Fonte: Valor Econômico, 31/03/2009, Opinião, p. A16
A importância da próxima reunião do G-20, que reúne os países que criam 85% da riqueza mundial, pode ser melhor entendida em negativo. O fracasso da tentativa de união para combater a crise mundial colocará o mundo diante de forças recessivas maiores do que quaisquer soluções nacionais poderiam vencer. É por isso que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, coloca como meta para a reunião que marcará sua estreia na arena global a transmissão de uma "forte mensagem de união ao mundo". Os desafios colocados são enormes, uma coordenação internacional que alcance consenso em uma crise de tal profundidade nunca existiu com essa amplitude em tempos de paz, e a maior tempestade econômica global exige uma reação global. O G-20 prova que as instituições de Bretton Woods, como o Fundo Monetário Internacional, ficaram ultrapassadas, e sua capacidade de criar acordos é um fator relevante para que se vença a crise e possa se criar um arranjo multilateral mais justo para o futuro.
Não convém que o G-20 falhe, embora seja difícil mensurar exatamente como ele pode ter sucesso. O esboço do comunicado final que veio a público em Londres não deixa enxergar, na linguagem evasiva da diplomacia, os avanços reais em perspectiva. As declarações de Obama foram significativas para abrir terrenos ao entendimento. Ele colocou a suposta oposição entre forte regulamentação financeira, trombeteada pela União Europeia, e o maior estímulo às economias nacionais, pregada por americanos e bombardeada por europeus, como um falso dilema. Do lado americano e de alguns emergentes, como o Brasil, há o entendimento de que ambos são necessários.
A deterioração da economia europeia é por si só um argumento natural a favor de maiores estímulos fiscais e monetários. A economia da zona do euro deve contrair 4,1% este ano e em março a indústria e serviços da região terão sua décima queda mensal consecutiva. Os alemães encabeçam a resistência na UE, com a chanceler Angela Merkel pregando, contra o vento, a necessidade de uma inacreditável volta à austeridade fiscal. Por outro lado, a Alemanha tem o maior pacote de estímulos para 2009-2010 na Europa, algo como 3,5% do PIB - e já fizeram boa parte do seu dever. O Banco Central Europeu foi o último a ser convencido à política do menor juro possível e deve esta semana reduzi-lo a 1%.
Se é possível avançar com cautela quanto aos estímulos monetários e fiscais adicionais, os pontos de vista dos dois lados do Atlântico estão cada vez mais próximos também em uma vasta área da regulamentação financeira. Novamente, foram os EUA que apararam algumas arestas de sua tradição "mercadista", com o anúncio das propostas de supervisão do sistema financeiro apresentadas na semana passada. Obviamente, os europeus são favoráveis a um controle minucioso e internacional dos bancos, com um órgão supranacional a ditar as regras.
Os EUA não aceitarão isso, mas já aceitam controles impensáveis há algum tempo, e eles estão em linha com o o que querem os governos europeus. Ambos creem imperiosa a exigência de mais capital nos bancos em tempos de bonança, o que dificulta a formação de bolhas de crédito e dá às instituições meios de ação contracíclica em épocas de crise. A supervisão deve se estender aos não-bancos, como seguradoras, fundos de hedge e os falidos bancos de investimento, e abranger todas as instituições que possam oferecer risco sistêmico. Os mercados de derivativos devem ser submetidos a uma clearing e, para alguns dos grandes fundos de hedge serão recomendados exigências de capital e de risco. Tudo isso consta do plano apresentado pelo secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, ao Congresso e faz parte da cartilha europeia para uma nova supervisão financeira.
Outro pilar de consenso é a conveniência de dar ao FMI um orçamento que seja o triplo dos US$ 250 bilhões que tem hoje. A questão aqui é a de mudar a participação no órgão de acordo com o peso econômico dos países na arena global, o que daria mais poder aos países emergentes. Há uma decisão favorável em princípio dos países desenvolvidos, mas dificilmente se avançará nela agora. Se apenas o que é consenso for executado, sem perder de vista a prioridade máxima ao combate da crise, grandes passos adiante serão dados pelo G-20.