Título: Reformulações do FMI
Autor: Strauss-Kahn , Dominique
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2009, Opinião, p. A17
O Fundo Monetário Internacional (FMI) precisa ser um porto de escala essencial para países em desenvolvimento e mercados emergentes que enfrentam necessidades financeiras. Com sua capacidade para mobilizar os vastos recursos financeiros e escorar a credibilidade das políticas públicas, o FMI pode ajudar a aliviar os vultosos custos sociais e econômicos frequentemente associados a crises. Contra esse pano de fundo, o mundo se uniu no meio da crise para reformular radicalmente a estrutura de concessão de empréstimos do FMI.
Agora e no futuro, o mundo precisa do FMI para reagir flexível e eficazmente às necessidades dos seus membros. Acima de tudo, nossos pacotes de financiamento devem ser suficientemente grandes em relação ao tamanho do problema para fazerem uma diferença. Além disso, a ausência de uma linha de seguros do FMI com termos aceitáveis tem sido uma grande lacuna na arquitetura financeira global, especialmente para as mais dinâmicas economias de mercados emergentes. Isso, não obstante todas as evidências sobre o valor do acesso antecipado ao financiamento do FMI, antes de uma situação difícil se deteriorar para se transformar numa crise.
Além disso, apesar de continuar sendo essencial vincular condições de política pública a programas apoiados pelo FMI, elas devem ser concentradas diretamente na resolução dos problemas críticos do país, para que as condições sejam relevantes, em vez de invasivas.
Com o apoio dos nossos membros, estamos implantando importantes reformas nas nossas políticas de concessão de empréstimos, que estimularão países a procurar o FMI logo no início, antes que as crises se tornem graves e quase intratáveis. A reforma consiste de três elementos básicos:
Primeiro, as condições de política pública associadas às concessões de crédito futuras do FMI serão mais bem moldadas às condições do país. Uma nova Linha de Crédito Flexível disponibilizará financiamento de grandes somas - antes mesmo de uma crise surgir - sem qualquer condicionalidade de política pública retroativa dirigida a países qualificados com sólidos fundamentos econômicos e estruturas de política pública. Alguns observadores apelidaram a nova linha de crédito de "EZ loan" (cuja leitura em inglês soa como "easy loan", ou empréstimo fácil), apesar de alguns países que se enquadram nos critérios de qualificação não considerarem suas realizações de política pública - e seu comprometimento com a manutenção desse desempenho - nem um pouco "fácil". Para outros, a condicionalidade será mais rigidamente concentrada em áreas essenciais e as condições "estruturais" que exigem medidas legislativas difíceis de mensurar serão julgadas com critérios menos formalistas.
Segundo, para os que não se qualificam para o novo instrumento, a comprovadamente confiável linha de crédito do Fundo, o "Acordo Stand-by", será mais flexível em uma série de dimensões. Elas incluem permitir elevado acesso financeiro antes mesmo de uma crise se materializar, e possibilitar pagamentos sem entraves.
Terceiro, o montante de empréstimos disponíveis a partir do Fundo Monetário Internacional está sendo elevado substancialmente. Os limites normais impostos sobre o acesso aos recursos do FMI estão sendo duplicados - num desdobramento coerente com o crescente consenso de que a capacidade de concessão de empréstimos do Fundo precisa ser ao menos duplicada, dada a gravidade desta crise. Isto é extremamente importante, uma vez que poucas coisas são tão fatais à credibilidade de um pacote de políticas públicas como recursos de financiamento insuficientes.
Tomadas em conjunto, estas medidas equacionam os problemas básicos - o estigma associado no passado à condicionalidade do FMI, a disponibilidade de financiamento pré-crise e a magnitude total dos pacotes de socorro - que algumas vezes diminuiu a eficácia do papel do FMI, de financiador em tempos de crise. Os mercados emergentes que procurarem o FMI logo no começo para financiamento pré-crise encontrarão abrigo dos ventos da desalavancagem global, que por sua vez ajudará a conter a propagação da crise.
O FMI já se articulou rapidamente para ajudar um grande número dos nossos países membros nesse tempo de crise, inclusive protegendo os gastos sociais para amortecer o impacto da crise sobre os mais vulneráveis. As reformas na concessão de empréstimos adotadas esta semana nos permitirão ser ainda mais flexíveis e ágeis na ajuda a um número ainda maior de países.
Ao mesmo tempo, estas reformas são apenas parte de um plano muito mais abrangente para a renovação do FMI. Ainda em maturação, constam iniciativas para incrementar a concessão de empréstimos preferenciais a países de baixa renda atingidos pela crise, fortalecer a capacidade de vigilância e de alerta precoce do Fundo e para aprimorar sua estrutura de governança de maneiras que reconheçam o papel mais amplo desempenhado pelos países de mercados emergentes na economia mundial.
A minha esperança é de que providências adicionais em todas essas áreas sejam tomadas nos próximos meses. Juntas, elas representam um ponto de inflexão na forma como o FMI atua, e permitirão que o Fundo sirva o seu público global de forma ainda melhor.