Título: Gasto de custeio sobe muito e piora as contas públicas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2009, Opinião, p. A16

Em todas as crises pelas quais o Brasil passou nas últimas três décadas, as dívidas externas e interna compunham a essência da vulnerabilidade. É um motivo de conforto saber que elas não estão mais presentes entre as preocupações imediatas quando o mundo enfrenta uma hecatombe econômica como não se via há 80 anos. Mas há diferenças significativas no comportamento das duas. A vulnerabilidade externa continua sendo reduzida, enquanto o manejo dos gastos públicos deixa a desejar, como demonstraram os números de fevereiro. O governo central teve o primeiro déficit primário desde janeiro de 1997 - R$ 926,2 milhões, segundo a contabilidade do Tesouro. O endividamento líquido em relação ao Produto Interno Bruto subiu quase nada, para 37%, mas a economia feita pelo conjunto do setor público para pagar juros caiu de 6,21% do PIB no primeiro bimestre do ano passado para apenas 2% agora.

O governo começa a colher os resultados das escolhas ruins que fez em 2008. As receitas caíram 3%, enquanto que as despesas deram um salto de 19,6%. A redução das receitas ocorreu pelo efeito combinado da rápida desaceleração da economia e, em menor grau, pelas renúncias fiscais concedidas em boa parte como arma contracíclica. Ela era esperada e já levou à revisão do Orçamento, pois o governo contava com receitas totais (Tesouro, INSS e BC) 5,5% acima das de 2008. Grande parte dos analistas projetam queda. O maior problema, portanto, está na magnitude e na qualidade das despesas.

O pulo dos gastos, infelizmente, não se deve uma política expansionista firme e determinada dos investimentos, bastante defensável. Eles foram elevados pelo aumento generalizado aos servidores públicos - os gastos com pessoal subiram 25,36% no primeiro bimestre. Os gastos com investimento cresceram 13,88% no período, saindo de R$ 2,37 bilhões para R$ 2,7 bilhões. O aumento do salário mínimo contribuiu para que os benefícios da Previdência crescessem 12,8%, enquanto que as receitas caminharam a um passo mais moderado, com alta de 8,9%.

Os resultados das contas públicas no primeiro bimestre se traduziram na redução do superávit primário em 12 meses, para 3,43%, a menor economia até agora feita no governo Lula. O governo já desistiu de manter o superávit em 3,8% do PIB e boa parte dos analistas suspeita que sequer os 3,3% (com mais 0,5% do Projeto Piloto de Investimentos) estão sendo cogitados agora, e sim um valor até abaixo de 3% do PIB (Valor, 1 de abril). Ainda assim, a tendência não traz grandes preocupações a curto prazo, onde seria possível algum relaxamento. O maior problema é que, como se previa, os gastos com pessoal roubam espaço dos investimentos em meio a uma desaceleração em que eles deveriam ser maiores. Depois, porque os gastos com pessoal são permanentes, subiram muito e exigirão mais impostos para sustentá-los, ou impedirão reduções expressivas da carga. A única esperança para investimentos maiores, com receitas em queda, repousa no declínio acelerado da taxa de juros, que pode encerrar o ano abaixo dos dois dígitos.

Por outro lado, os indicadores de solvência externas continuam muito sólidos. Não é pouca coisa quando se considera, por exemplo, que nos 12 meses encerrados em fevereiro a conta financeira do balanço de pagamentos registrou ingresso líquido de US$ 18,1 bilhões, ante US$ 87,3 bilhões no período anterior, ou que a conta de aplicações em bolsa encolheu de US$ 43 bilhões positivos para US$ 3,6 bilhões negativos. Em fevereiro, a dívida externa líquida se reduziu em US$ 22,7 bilhões. Um ano de exportação de bens (exclusive serviços) paga toda a dívida. As reservas disponíveis no conceito de liquidez (US$ 199,4 bilhões) também liquidariam todos os débitos brasileiros. O serviço da dívida estava em fevereiro em apenas 17,1% do total das exportações de bens e serviços. As projeções do relatório de inflação do Banco Central são de que, mesmo em meio a uma pavorosa crise global, 2009 deverá fechar com uma redução no déficit em transações correntes, que deverá "ser financiado com ingressos líquidos da conta financeira, com ênfase para os fluxo de investimentos externos diretos". As reservas devem terminar o ano com uma queda de apenas US$ 3,1 bilhões.