Título: Uma discussão nivelada por baixo
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2005, Política, p. A5

A menos que surpreenda e efetivamente transfira algum poder aos aliados não-petistas, a reforma ministerial cujos últimos retoques estão sendo dados por Lula corre o risco de não resolver o problema da maioria no Congresso, seu objetivo imediato, e muito menos o da eficiência administrativa do governo. Pelo que deixa vislumbrar no horizonte, a segunda reforma do presidente será como a primeira, trocando alguns nomes para que tudo permaneça como está. Ou seja, com o poder concentrado no PT. Sem maioria para governar e aprovar reformas constitucionais, Lula teve de buscar alianças à direita do espectro político. Conseguiu boa parte dos votos dos aliados, mas pouco ou quase nada deu em troca do apoio recebido. Ainda na fase do governo de transição o PT escolheu 80 cargos considerados estratégicos que de maneira alguma deveriam entrar na partilha com os aliados. É o que hoje o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chama de "esquema montado pelo Sílvio Pereira e pelo Marcelo Sereno", na realidade dois dirigentes petistas a serviço do chefe da Casa Civil, José Dirceu. O esquema permanece intacto, muito embora Marcelo Sereno tenha deixado a assessoria da Casa Civil e teoricamente voltado à burocracia partidária, de onde Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, nunca saiu oficialmente. Tendo de buscar votos à direita e muitas vezes até na oposição para aprovar as reformas, o PT não se deu conta de que precisava, na mesma medida, negociar as diferenças. Num ambiente carregado de tintas fisiológicas, parece bobagem falar em agenda, mas ela existe e os partidos atualmente aliados a Lula refletem seus interesses. Bem a propósito, na terça-feira, 15, uma boa parcela do PIB nacional reúne-se em São Paulo para discutir a proposta de reforma sindical do governo.

Ou o PT cede poder ou reforma não funciona

A proposta saiu de um fórum que durante alguns meses juntou governo, capital e trabalho em torno da mesa de negociação. Ao final, os empresários saíram com a sensação de que prevaleceram as posições da CUT e da Força Sindical. "Na forma em que está sendo proposta, a reforma sindical altera as bases da organização sindical e introduz novas regras de negociação, composição de conflitos e greve", diz o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro Neto, autor da convocação das federações e centros da indústria para a reunião na Fiesp. Detalhe: Armando Monteiro Neto é deputado federal pelo PTB de Pernambuco. Fala pela CNI, mas seu discurso está na matriz do que pensam não só os petebistas, mas também o PL, o PP e talvez a grande maioria do PMDB, os partidos cujos votos o governo tenta consolidar no Congresso com a reforma ministerial em andamento. E não é de hoje que PTB e PL se articulam nos bastidores para encarar as reformas sindical e trabalhista - que o governo ainda vai enviar ao Congresso - do PT. Para a reforma funcionar e proporcionar a maioria que o governo deseja, o PT precisa ceder poder e deixar de ter uma visão utilitária dos aliados. Para dar mais agilidade, racionalidade e eficiência administrativa à máquina seria preciso desconcentrar, mas a centralização é a palavra de ordem. A Casa Civil foi inchada, hoje trata desde a transposição do rio São Francisco à revisão da lei de comunicações. Além daqueles 80 cargos estratégicos, e outros nem tanto, é também na Casa Civil que se decide de fato a concessão de rádios comunitárias. Até agora, não se ouviu uma única palavra sobre o enxugamento do número de ministérios, ampliado para dar o que fazer aos amigos de Lula derrotados nas eleições de 2002. O presidente do PT, José Genoino, diz que é preciso "acabar com o estresse da maioria grande", pois a agenda do governo de 2005 requer em geral maioria absoluta e em poucos casos a maioria constitucional. "O que precisamos é criar o clima de ambientação política". Com a discussão nivelada por baixo, não será surpresa se Lula for chamado daqui a três ou quatro meses a fazer outro remendo no ministério. A menos que surpreenda com uma reforma profunda, com a redução do número de ministros e a indicação de nomes realmente representativos e comprovadamente competentes. Por enquanto enquanto, o que se vê é uma discussão nivelada por baixo, mero exercício contábil sobre os votos de cada sigla no Congresso.