Título: Reunião teve momentos de tensão e discussão
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2009, Internacional, p. A12
Houve momentos de tensão e discussões calorosas entre os líderes do G-20, representando 85% da economia mundial, conforme contou o presidente presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao final da da reunião de cúpula ontem em Londres.
O Valor apurou que a maior confrontação envolveu França, Reino Unido e China sobre os paraísos fiscais. A divergência chegou a tal ponto que o presidente americano Barack Obama se levantou, chamou para um canto da sala o francês Nicolas Sarkozy, o anfitrião britânico Gordon Brown e o chinês Hu Jintao para tentar um compromisso.
A França, apoiada pela Alemanha, queria impor a publicação de uma lista da OCDE de paraísos fiscais que não respeitassem as novas regras para por fim ao segredo bancário que ajuda a esconder sonegação de centenas de bilhões de dólares. A China, querendo proteger Hong Kong e Macau, recusava o monitoramento da OCDE, alegando que sequer era membro da entidade. A França afinal acabou levando vantagem num acordo pelo qual todos depois disseram ter se saído bem.
A reunião fechou com uma nota insólita: a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, ao receber o novo texto de comunicado com modificações que tinham sido feitas pelos líderes, alegou que não tinha tido tempo suficiente para examiná-las com seus assessores.
O comunicado dos líderes do novo diretório econômico do planeta, visando dar um alento à economia global, teve sua versão concluída entre os técnicos às 2h da manhã da quinta-feira, depois de centenas de horas de negociações nas últimas semanas. Ainda assim, os chefes de Estado e de governo decidiram que o capítulo sobre respostas macroeconômicas precisaria ainda de retoque pelos ministros, diante da divergência entre os EUA, de um lado, e a Alemanha, a França e a Comissão Europeia sobre até onde pode ir o estímulo fiscal para reativar as economias.
Os EUA insistiam em querer dividir o peso do estímulo fiscal para retomar o crescimento global, o que pesaria menos para eles. E os europeus disseram que não tinham sido culpados pela crise e a principal responsabilidade pela resposta era dos EUA. No fim, saiu o texto que dá um passo para resolver a crise, mas não uma solução.
Nesse debate, a China e a Índia, as economias que mais crescem, ficaram caladas. Os chineses preferiram só indicar que anunciariam um pacote para ajudar no financiamento ao comércio internacional, de US$ 40 bilhoes. Já o Brasil foi um dos mais ativos, segundo negociadores. Foi do país a proposta afinal aprovada sobre emissões de Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI, que dará mais liquidez ao mercado.
Um momento irônico foi quando o México anunciou que iria recorrer a um empréstimo de US$ 48 bilhoes pela nova linha de crédito do FMI. O representante dos EUA propôs na reunião técnica que os líderes do G-20 dessem uma boa acolhida ao pedido, como exemplo de que o fundo tem produtos para atender demandas.
Só que outros países não escondiam que a ação do México, longe de ser positiva, era um acontecimento lamentável e que representava o primeiro emergente que cai na crise atual. Além disso, afundava de vez a tese de deslocamento das economias emergentes. Os mexicanos perderam US$ 25 bilhoes de reservas tentando defender o peso e estão numa posição difícil.
Uma das grandes frustrações de negociadores foi o veto da administração Obama à proposta apresentado pelo Reino Unido, que na prática acabava com a regra pela qual só os EUA nomeiam o presidente do Banco Mundial e os europeus o diretor-gerente do FMI. Os europeus aceitavam abrir mao do monopólio do FMI, mas o negociador americano descartou fazer o mesmo no Bird. Perguntou se o Japão aceitava abriria mão de controlar o Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), por exemplo.
Além disso, os EUA afrouxaram as tentativas europeia e brasileira de controle mais forte sobre os hedge funds (fundos especulativos). A ideia era limitar a alavacangem desses fundos. Mas os americanos argumentaram que esses fundos não tinham culpa pela crise e resistiram. A impressão foi de que os negociadores americanos eram mais à direita do presidente Obama.
Outra confrontação, e que tambem terá consequências na reforma do sistema financeiro global, foi sobre o controle das agências de classificação de riscos. A Itália queria regras mais estritas, em meio à discussão sobre conflito de interesses sobretudo das três agencias que controlam esse mercado. Mas o texto foi aguado por iniciativa americana, deixando margem para reforço nessa área.
Na reunião dos líderes, Obama cumprimentou Lula chamando-o de o "político mais popular do mundo, por causa de sua boa pinta". Mais tarde, Lula comentou que Obama quis ser gentil e completou: "O bom com Obama é que ele é o primeiro presidente dos EUA que tem a cara da gente. Se chega à Bahia, vão pensar que ele é baiano".
Mais tarde, numa reunião bilateral com o presidente chinês Hu Jintao, o controle era tão grande e duro que o próprio Lula comentou que conseguira "livrar da segurança chinesa" o fotógrafo da Presidência, Ricardo Stuckart. O tratamento chinês aos jornalistas brasileiros também irritou. Lá fora, na frente do hotel, de um lado se manifestavam militantes pró-Pequim e, de outro, partidários de Tibete, sob o olhar atento da polícia britânica. (AM)