Título: Maior parte do dinheiro prometido não existe e ainda depende dos EUA
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2009, Internacional, p. A13

A maior parte do dinheiro que os líderes mundiais reunidos ontem em Londres prometeram para combater a crise internacional não existe, e uma parcela significativa só vai se materializar se o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, vencer os obstáculos que iniciativas parecidas enfrentaram no Congresso americano no passado.

Os líderes do G-20 assumiram o compromisso de arranjar US$ 750 bilhões para o Fundo Monetário Internacional (FMI) nos próximos meses. Um terço do dinheiro está mais ou menos garantido: o Japão emprestou US$ 100 bilhões para o Fundo em fevereiro, a União Europeia prometeu outros US$ 100 bilhões e a China indicou que contribuirá com pelo menos US$ 40 bilhões, de acordo com o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.

Os dois terços restantes do pacote pareciam incertos ontem. Segundo o comunicado do G-20, US$ 250 bilhões virão de novos empréstimos, mas nenhum país se comprometeu para valer com isso dizendo em público quanto vai emprestar. Outros US$ 250 bilhões viriam de uma emissão de Direitos Especiais de Saque (DES), a moeda usada nas transações do FMI, mas ainda é cedo para contar com esse dinheiro.

Os DES foram criados pelo Fundo em 1969 e cada país tem direito a uma quantia proporcional à cota que determina seu poder de voto na instituição. A intenção original era dar aos países um instrumento que poderia ser usado para reforçar reservas se eles tivessem dificuldade para obter dólares ou outras moedas fortes. Mas o uso dos DES sempre foi muito limitado.

Até hoje, o FMI fez apenas duas emissões de DES. Seu valor é calculado com base numa cesta com quatro moedas (dólar, euro, iene e libra esterlina) e o estoque em poder dos sócios do Fundo equivale atualmente a somente US$ 32 bilhões, uma quantia insignificante perto dos mais de US$ 4 trilhões em reservas que os países emergentes acumularam nos últimos anos.

O FMI pode emitir DES sem lastro nenhum. Eles só podem ser usados em transações entre governos, para acertos de dívidas e outros compromissos. Mas qualquer país pode trocar seus DES por dólares, euros, ou ienes se não quiser guardar o papel. É o que a maioria dos países emergentes fez. O Brasil, por exemplo, tem hoje em seu poder apenas 0,09% dos papéis que recebeu quando os DES foram emitidos, ou cerca de US$ 464 mil.

Em 1997, a diretoria-executiva do Fundo aprovou uma nova emissão de DES que permitiria dobrar o estoque de papéis disponíveis para seus membros, pondo em circulação US$ 32 bilhões pela cotação de ontem. A maioria dos países votou a favor da proposta, mas ela nunca foi posta em prática. O governo americano concordava com a ideia, mas não conseguiu apoio do Congresso dos EUA, que se recusou a ratificar a mudança.

O problema é que existe um custo para trocar DES por dinheiro de verdade, e na prática a conta acaba quase sempre com o Tesouro americano. Quando um país entrega seus DES para o Fundo e pede dólares em troca, o Tesouro dos EUA tem uma despesa para fazer e precisa emitir títulos para financiá-la, pagando juros mais elevados do que os que recebe para guardar os DES.

Em 2004, num estudo preparado para uma comissão do Congresso, o economista Adam Lerrick, da Universidade Carnegie Mellon, calculou que os EUA tinham um custo anual de $330 milhões para carregar esses papéis. Parece pouco para um país como os EUA, mas a fatura poderia aumentar bastante se a emissão de US$ 250 bilhões prometida pelo G-20 for aprovada.

O país que entrega os DES para o FMI pode fazer o que quiser com os dólares que receber na troca e não precisa devolvê-los se não quiser os papéis de volta. Na prática, uma emissão de DES representa uma transferência quase automática de recursos dos países mais ricos para as nações em desenvolvimento, sem nenhuma das exigências que costumam acompanhar os empréstimos tradicionais do FMI.

Foi por isso que a última tentativa de ampliar o uso dos DES foi bloqueada. Na época, os congressistas conservadores do Partido Republicano tinham maioria no Congresso.

Hoje, os aliados de Obama no Partido Democrata dão as cartas e pode ser que pensem diferente. Funcionários do Tesouro indicaram nos últimos dias que a nova emissão de DES poderá ser aprovada sem a necessidade de pedir licença ao Congresso. Mas será preciso esperar para saber se a promessa será cumprida.