Título: Diretores, extras, jatinhos e o farto clube dos senadores
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2009, Opinião, p. A14

Se o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, qualifica as relações entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal como "lítero-poético-recreativas", como pode então um cidadão comum designar a íntima convivência dos senadores com o Senado? Um clube lítero-poético? Ou um clube político-recreativo? Independente do nome que se dê às relações demasiado estreitas entre os bolsos dos senadores e o Orçamento do Senado, é certo, todavia, que a casa é a bola da vez: os usos e costumes dos senadores, que sempre conviveram em paz sob a proteção de sucessivas mesas diretoras, independentemente da coloração partidária, ganham as páginas dos jornais. E, de repente, os nobres senadores se deparam com a dura realidade: os hábitos sociais do clube do Senado não são propriamente éticos ou convenientes, e sequer facilmente aceitos pela sociedade que financia essas regras de excessiva cordialidade, quando se trata de dividir os benefícios da instituição.

Desde que o senador José Sarney (PMDB-AP) foi eleito presidente do Senado, em fevereiro deste ano, surgem das sombras alguns fantasmas. Primeiro, explodiram na mídia os salários extras pagos aos funcionários do Senado no período de recesso parlamentar, onde não se encontra viva alma nos corredores da casa - e quando dificilmente vai se encontrar alguém suando a camisa para concluir algum trabalho extra. Depois, descobriu-se que eram quase 200 os diretores da instituição. No meio deles, tinha uma diretora cuja função era propor a modernização de uma casa que jamais foi modernizada. Ela foi contratada em 2003 e, no ano anterior, havia sido assessora de campanha da filha de Sarney, a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA). No meio dessas histórias, os jornais revelaram, pelo exemplo também de Roseana, que é normal o senadores usarem suas cotas de passagens aéreas para trazer amigos até Brasília, quando é impossível ao senador ir até os amigos.

Quando, enfim, julgava-se que as relações de compadrio estavam restritas a isso, descobre-se que nem só de passagens aéreas vivem os senadores e os amigos dos senadores. Na edição de ontem, o jornal "Folha de S. Paulo" revela o hábito do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), um rico empresário cearense, de fretar jatinhos da TAM com a verba a que teria direito para pagar passagens aéreas. Diz ele que não usou desse expediente sempre, mas apenas quando o seu próprio jatinho, um Citation avaliado em US$ 3 milhões, estava na revisão. Segundo o jornal, o senador gastou R$ 335 mil com o fretamento de jatinhos entre 2005 e 2007 e, de lá para cá, mais R$ 134 mil, o que somaria gastos de R$ 469 mil. Jereissati disse que, na verdade, teria gasto "apenas" R$ 358 mil, com autorização do diretor-geral Agaciel Maia (demitido na primeira onda dos escândalos de 2009) e do então primeiro-secretário Efraim Morais (DEM-PB), que esteve no cargo entre 2005 e 2008 e não consultou a mesa diretora sobre a exceção aberta ao senador cearense. Desde 2005, foram feitos 16 pagamentos à TAM, referentes aos fretamentos feitos pelo senador do Ceará.

Jereissati teria direito a R$ 21.230 em bilhetes aéreos para o seu Estado (nove vezes o percurso entre Brasília e Fortaleza pela tarifa mais cara, a da TAM, de R$ 2.379). Mas exclusivamente em bilhetes aéreos. Segundo o ato da mesa 62, de 1988, "fica o diretor-geral do Senado autorizado a requisitar das empresas de transporte aéreo, mensalmente, para cada senador, cinco bilhetes de passagem. Fica extinta a ajuda de custo para transporte aéreo". Isso quer dizer que o benefício recebido para transporte aéreo, por senador não pode ser dado em dinheiro ou de qualquer outra forma, a não ser em passagens aéreas.

A "autorização especial" obtida para transformar passagens aéreas em fretes de jatinhos foi usada especialmente quando o senador era presidente do PSDB - onde, segundo Jereissati, seria impossível separar suas atribuições de senador e de dirigente partidário. Pior ainda. O Senado não pode ser o financiador de atividades partidárias. Se elas necessitam de um jatinho para a locomoção de seu dirigente máximo, ou o partido paga, ou Jereissati usa o seu próprio. Não é de se supor que todos os contribuintes que financiam as atividades legislativas sejam filiados ao PSDB e tenham enorme prazer em pagar os jatinhos particulares para seus dirigentes.