Título: Avanços na simplificação do mercado de câmbio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2005, Opinião, p. A10
As autoridades monetárias deram na semana passada mais uma demonstração prática do seu intento de avançar na política de simplificação das normas burocráticas que envolvem as operações financeiras - esse é o propósito mais evidente e que deve ser aplaudido do pacote de medidas na área de câmbio anunciado na sexta-feira pelo Conselho Monetário Nacional. Em um sentido mais amplo, esse conjunto de decisões também poderia ser interpretado, como fizeram alguns analistas do mercado financeiro, como um passo a mais no sentido de o país se distanciar de qualquer possibilidade de uma moratória. Poderia inclusive ser considerado revelador que o CMN tenha adotado essas alterações exatamente na semana em que a Argentina anunciou o término da sua moratória - e em que se voltou a debater de forma acalorada no Brasil e no exterior os benefícios e as perdas do caminho seguido pelo governo de Buenos Aires nos últimos anos. Essas considerações podem, no entanto, ser classificadas como extemporâneas, na medida em que as modificações no sistema de câmbio já vinham sendo estudas pelo Banco Central há bastante tempo. A principal mudança determinada pelo CMN é a de que operações que antes só podiam ser feitas pelas contas CC5 poderão ser fechadas por contratos de câmbio. Também foi aprovada a unificação dos mercados de câmbio (livre e flutuante) e tornadas mais flexíveis as regras para os exportadores trazerem ao país os dólares de suas vendas. O novo regulamento, que deverá entrar em vigor em uma semana, concede um prazo de até 210 dias para que os exportadores tragam ao Brasil os dólares resultantes das suas vendas no exterior. As exportações de serviços também foram incluídas nessas normas de forma que as empresas do setor passaram a ter acesso às operações de Antecipação de Contrato de Câmbio (ACC). A mudança no prazo de internacionalização dá maior flexibilidade para que os exportadores escolham o momento mais adequado para fazerem essa operação conforme as taxas em vigor no mercado. Já a unificação dos dois mercados de câmbio marca o fim de um um longo período em que o país conviveu com várias taxas oficiais de câmbio. Sob a justificativa de manter o equilíbrio do balanço de pagamentos, o Banco Central punia com cotações mais altas operações consideradas menos legítimas, como o turismo, e dava prioridade para alguns setores eleitos, como comércio e determinados capitais. Criado em dezembro de 1988, o mercado flutuante foi um avanço em relação ao sistema anterior, em que havia controles administrativos. No turismo internacional, por exemplo, havia um limite de compra de US$ 300, claramente insuficiente, que obrigava viajantes a recorrer ao mercado de câmbio negro. No flutuante, os turistas ganharam maior liberdade para comprar moeda. Mas em contrapartida pagavam um ágio em relação às cotações vigentes no mercado livre, no qual eram fechadas operações de comércio, serviços e movimentos de capitais registrados no BC. O ágio foi reduzido no início da década de 1990, quando o BC permitiu que fossem fechados no mercado de taxas flutuantes as remessas de brasileiros pelas contas CC5. Esse instrumento, em si, foi um jeitinho brasileiro para criar uma maior mobilidade de capitais. Quando originalmente criadas, na década de 1960, era permitido que não residentes entrassem com dólares no país e, mais tarde, levassem de volta para fora pelas CC5 até o limite do que haviam trazido. Mais tarde, o BC permitiu que brasileiros depositassem recursos nas contas CC5, e que os saldos dessas contas fossem remetidos ao exterior. O sistema, que na prática era um canal de livre mobilidade de capitais, era chamado de transferências internacionais de reais. O sistema de duas taxas de câmbio sobreviveu até 1999, quando o país adotou o regime de câmbio flutuante. Na ocasião, o BC permitiu que as posições de câmbio dos bancos nos dois mercados fossem unificadas. A perfeita arbitragem acabou com as diferenças de taxas. Mas, embora unificado, a regulação dos dois sistemas continuou a existir. E era razoavelmente fácil criar um controle cambial, já que bastava uma circular do BC separando as duas posições de câmbio. Além disso, o mercado convivia com burocracia dupla, o que elevava custos. Na sexta-feira, foi anunciada a unificação - operações antes feitas no flutuante passaram para o livre, e este será chamado simplesmente de mercado de câmbio. Numa só tacada, a consolidação de normas cambiais foi reduzida em dois terços.