Título: Argentina no board da Petrobras Energia
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2009, Internacional, p. A9

O governo argentino vai colocar um representante na direção da Petrobras Energia Participações (Pesa), subsidiária argentina da Petrobras. A decisão foi comunicada na última sexta-feira à direção da Pesa, "holding" comprada pela petroleira brasileira em 2002, durante a assembleia de acionistas para aprovação das contas de 2008.

Durante a assembleia, dois representantes da Administração Nacional da Seguridade Social (Anses) foram encarregados de comunicar aos acionistas que o governo vai exercer o direito que lhe dá a participação acionária, de 13,2%, de indicar um membro para a direção da companhia. Como o assunto não fazia parte da pauta da assembleia, não houve aprovação imediata. Mas a Petrobras se comprometeu a realizar uma nova assembleia de acionistas este mês para registrar a entrada de um diretor da Anses no "board", segundo relato de pessoas dentro e fora da Petrobras Energia que estavam presentes na assembleia e que pediram para não ser identificadas.

A presença dos dois representantes da Anses na assembleia foi confirmada ontem pela Petrobras que, no entanto, não quis fazer comentários adicionais. Consultada sobre o objetivo da indicação de representantes para a diretoria da Petrobras, a Anses não respondeu até o encerramento desta edição.

A Anses está exercendo um direito adquirido pelo governo argentino com estatização do sistema privado de aposentadoria (as chamadas AFJP) em outubro passado. Ao tomar posse dos ativos das AFJP, o governo "ganhou" participação acionária em 38 empresas, entre elas duas de capital brasileiro, a Petrobras Energia (13,2%) e a Quickfood, que é do Grupo Marfrig (3%).

A lei argentina de mercado de capitais prevê um sistema chamado "voto acumulativo", que dá direito aos acionistas minoritários de indicarem representantes para a diretoria das empresas, dependendo do percentual de participação no capital votante e do número de diretores que compõem o comando da empresa. Em uma escala de três a dez diretores de uma empresa, os minoritários podem indicar de um a três representantes. Para isso têm que ter um mínimo de 9,1% das ações (um diretor em um "board" de dez) até um máximo de 25,1% (um diretor em um "board" de três ou três em um de nove).

"Eles podem fazer uma composição com outros acionistas para aumentar a posição", explicou Mariano Tavelli, presidente da corretora Tavelli e Associados, referindo-se à posição do governo em empresas onde tem menos de 9% do capital.

Em outubro, pouco depois da estatização das AFJP, o titular da Anses, Amado Boudou, afirmou em uma entrevista ao jornal "La Nación" que se a posição acionária da Anses nas empresas exigisse a colocação de um diretor, seria indicado algum. Mas frisou que o órgão não tinha planos de "tomar decisões empresariais".

No último mês, três empresas comunicaram à Comissão Nacional de Valores (a CVM local) e à bolsa de Valores de Buenos Aires que receberam pedidos para abrigar um diretor indicado pelo Estado em seu conselho de administração: a Camuzzi Gás Pampeana (em que a Anses tem 11,7%), a Gás Natural Ban (24,4%) e a TGS (21,1%).

As três são concessionárias de serviços públicos, dedicadas à distribuição e ao transporte de gás, setor estratégico na Argentina onde o gás representa 40% da matriz energética. Assim, faz algum sentido que o Estado queira aproveitar a posição acionária para ampliar o controle férreo que já exerce sobre preços e atividade no setor.

Há duas semanas, porém, a Anses surpreendeu o mercado ao colocar um diretor na Consultatio, empresa de empreendimentos imobiliários de alto padrão do empresário Eduardo Costantini. Dono também do Museu de Arte Latinoamericana (Malba), Costantini ficou famoso no Brasil depois que comprou e levou para Buenos Aires, em 1995, o quadro "Abaporu", de Tarsila do Amaral.

Além de ocupar um espaço no "board" da Consultatio, a Anses avisou que participará da próxima assembleia de acionistas, marcada para dia 15 e pediu a Costantini que responda a um questionário sobre os auditores da companhia - quanto recebem, quem são os diretores suplentes e como são repartidos os honorários da diretoria.

Ao estatizar as AFJP em novembro, o governo tomou posse de ativos em dinheiro no valor equivalente, na época, a US$ 30 bilhões, dos quais 61% estavam aplicados em títulos da dívida soberana, 16,3% em ações, 7,9% em depósitos a prazo fixo, 6,1% em fundos de investimentos e 3,1% em fideicomissos (carteiras securitizadas de empréstimos ao consumidor) e o restante em outros títulos privados. Tavelli observa que além da "intromissão" do Estado na gestão das empresas, há um sério "conflito de interesses" quando o governo ao mesmo tempo é dono de ações e também de fundos de investimentos que pertenciam às AFJP e que compram e vendem ações.

O casal Néstor e Cristina Kirchner sempre interferiu nas empresas privadas argentinas, seja com controles de preços e lançamentos de produtos, seja através de regulamentações, desapropriações e estatizações. Em janeiro, a Casa Rosada interveio na Transportadora Gás Norte (TGN), depois que a empresa declarou default de uma emissão de bônus no fim de dezembro, alegando ter ficado sem dinheiro por causa da crise. O governo disse que o fornecimento de gás corria risco com o default e pôs um interventor na companhia.

Depois de estatizar estaleiros, os Correios e a Aerolíneas Argentinas, o próximo passo será a estatização do Banco Hipotecário, um dos maiores do país, do empresário Eduardo Elsztain. Nesse caso, o governo estará revisando um estranho contrato: apesar de ser dono da maioria das ações (64%), por um acerto feito nos anos 90 o Estado não tem nem metade dos votos no diretório do banco.

Outro caso de intervenção é o da Telecom Argentina, principal empresa de telecomunicações do país. A Comissão Nacional de Defesa da Concorrência disse ontem que vai colocar dois "observadores" na direção da Telecom, para "monitorar e controlar" as empresas do grupo e suas controladas e "preservar o interesse público no mercado de comunicações".