Título: Lula menos popular, mas capaz de transferir votos
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Fonte: Valor Econômico, 01/04/2009, Opinião, p. A10
A última pesquisa Sensus-CNT, divulgada na segunda-feira, apesar de registrar impactos da crise sobre a popularidade do governo Lula e do próprio presidente, não deixa de ser surpreendente. Houve uma queda de 10 pontos percentuais na avaliação do governo, de janeiro até março - passou de 72,5% para 62,4%; e de oito pontos percentuais no desempenho de Lula, que caiu de 84% para 72,6%. Ainda assim, no auge da percepção da gravidade da crise pelos entrevistados - 54,5% dos ouvidos avaliaram que piorou a situação do emprego, contra 38,5% em janeiro; 44,8% têm medo de perder o emprego e 32,6% consideram que caiu a renda mensal em função da crise - um presidente manter uma aprovação de mais de dois terços dos ouvidos, no sexto ano de governo, é coisa bastante rara.
Numa conjuntura em que o país passa a sofrer fortemente com a crise internacional, é atípico também o aumento das intenções de voto da ministra Dilma Rousseff, a candidata do PT apadrinhada pelo presidente Lula. Segundo o presidente da Sensus, Ricardo Guedes, Lula consegue um feito "dificílimo": 21,5% declararam na pesquisa de março (contra 15,6% em dezembro) que votarão no candidato a presidente de Lula, isto é, em Dilma. No Nordeste, 42,6% dos entrevistados declararam que seguirão o voto de Lula. O diretor do Sensus interpreta que esse alto poder de transferência de votos do presidente para a sua candidata é um corte do momento - aquele em que o eleitor percebe que Lula não poderá mais ser o candidato à sucessão de si próprio, e que Dilma deverá disputar pelo seu partido a Presidência.
A situação não muda, todavia, o favoritismo do governador de São Paulo, José Serra, que em janeiro tinha as intenções de voto de 43,1% dos entrevistados e hoje ostenta um índice de 45,7%; e pode vencer no segundo turno por 53,5%, segundo a Sensus/CNT (contra um índice de 49,9% no início do ano). Por enquanto, o poder de transferência de Lula tem mais chances de tornar Dilma vitoriosa se ela disputar com o tucano mineiro Aécio Neves, em vez de Serra - que remotamente pode vencer o adversário paulista na disputa interna pela legenda do PSDB à Presidência. Na hipótese de Dilma disputar com o atual governador de Minas, dá empate técnico: 22% para ele e 19,9% para ela. No Nordeste, todavia, a ministra consegue 30% numa disputa com Aécio, que chega em terceiro lugar, com 15,5% das intenções de voto; no Sudeste, o mineiro tira a forra e ganha 29%, contra 14,1% dos votos.
A possibilidade de transferência dos votos de Lula a sua candidata pode dar um trabalho adicional mesmo ao candidato Serra, que se mantém como o preferido. Segundo a pesquisa, tirando os 21,5% que garantem votar no candidato de Lula, outros 28,6% admitem que podem seguir o mesmo caminho, enquanto 20,3% reivindicam conhecer o candidato antes de tomar uma decisão. Só 20,3% afirmam não votar em Lula em nenhuma hipótese.
O dado de transferência é um elemento novo nessa eleição, e causa espécie que ele não tenha se extinguido nas pesquisas, no momento de retração da atividade econômica. Mas ainda muitas coisas devem acontecer, que vão puxar efetivamente a balança para um lado ou para outro. A candidatura de Ciro Gomes (PSB) é uma das peças que parece entrar no jogo de quebra-cabeças eleitoral, e não necessariamente contra a candidata de Lula. Segundo o Valor de ontem, a expectativa é a de que dois candidatos do lado do governo desempenhem melhor em conjunto o papel de desgastar o candidato de oposição, seja ele quem for (e contando que o mais provável seja Serra). Foi o que aconteceu em 2002, quando Ciro e Lula reforçaram as baterias contra Serra, que era o candidato tucano. No segundo turno, ambos (Lula, vitorioso pela sigla do PT; Ciro, derrotado pelo PPS), mais o candidato derrotado do PSB, Anthony Garotinho, cerraram fileiras contra Serra e ganharam eleições dificílimas, onde o fantasma da crise econômica e da quebra do país, ao contrário de hoje, era um ônus eleitoral da oposição, não do governo.
Muita coisa vai acontecer, daqui até o início oficial da campanha, no próximo ano. Mas o PMDB, partido que os dois lados na disputa namoram, não será o único definidor das chances de um ou outro candidato. Até lá, muita crise vai rolar debaixo da ponte, e não se sabe ainda quem vai pagar o pato por ela nas urnas.