Título: Fortalecida, China terá mais voz do que nunca
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Fonte: Valor Econômico, 01/04/2009, Especial, p. A12

A China chegará amanhã na reunião de cúpula do G-20 fortalecida, como um dos poucos países a manter bom desempenho econômico em meio à mais dramática recessão global, conforme projeções da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE).

A economia mundial deverá ter contração de 2,75% este ano. O recuo dos Estados Unidos deverá ser de 4%, o da zona euro de 4,1% e o economia japonesa - a segunda maior do mundo - outros 6,6%, na recessão mais profunda e mais sincronizada em décadas, segundo a entidade.

Enquanto nas economias avançadas a retração chegará a 4,3% e o desemprego passará dos 10%, a situação é diferente nos grandes emergentes: a China conserva um crescimento de 6,3% (abaixo dos 8% inicialmente previsto) e a Índia de 4,3%. O Brasil sofreria contração de 0,3%, mas já há sinais de recuperação, que poderão se confirmar a partir do último trimestre. Entre os Bric, o problema é a Rússia: a economia está em colapso, o governo torrando as reservas internacionais e o PIB poderá encolher 5,6%.

O relatório da OCDE vê sinais de que o pior já pode ter passado e a retomada está à vista na China, sobretudo. O consumo chinês compensa parcialmente a forte baixa das exportações, como confirmariam dados de vendas de cimento e do comércio varejista; a produção industrial está se recuperando e Pequim volta a comprar matérias-primas. Os financiamentos bancários crescem e a bolsa chinesa registra alta de 26% desde novembro do ano passado.

Apesar desse dinamismo, analistas do UBS alertam que não é a China que tirará o mundo da recessão. Apesar de estar se tornando a segunda ou terceira maior economia do mundo, dependendo do cálculo usado, o poder de compra do consumidor chinês ainda está muito abaixo das grandes economias. A parte de consumo do PIB chinês está abaixo de 40% e somente 30 milhões de chineses tem uma renda igual ou acima da renda média dos EUA, comparado com 200 milhões na Europa e 45 milhões no Japão.

Resta que a crise financeira tem consequências geopolíticas e o presidente Hu Jintao parece disposto a aproveitar a situação para desta vez não ter mais um papel passivo. Pequim exige um papel maior na governança global, desde que seja encontrado "o bom equilíbrio entre direitos e obrigações dos países", como dizem assessores chineses, procurando não perder o controle de um reequilíbrio do crescimento mundial.

Em sua ofensiva às vésperas do G-20, Pequim propôs a substituição do dólar como divisa internacional por uma cesta de moedas administradas pelo FMI. Já preparou o uso de moedas regionais, no comércio com Hong Kong. Está no centro de um fundo de US$ 120 bilhoes para evitar volatibilidade maior em moedas na Asia.

Cobrado a colocar mais recursos no FMI, Pequim exige em contrapartida mais poder de força para influenciar na elaboração das regras que vão governar as finanças globais pelas próximas décadas.

O banco UBS calcula que a crise já fez evaporar US$ 40 trilhões da riqueza global de US$ 150 trilhões. O debate em Londres vai indicar até que ponto será possível discutir não apenas o tamanho de um programa de retomada da economia, mas também como modificar de maneira duradoura um modelo econômico em fiasco, e que forçou a volta forte do Estado.

O relatório da OCDE coloca mais pressões sobre os participantes do G-20 para adotarem planos agressivos de retomada econômica. A entidade diz que que suas previsões supõem que as tensões nos mercados de capitais vão se atenuar mais para o fim deste ano, embora orientados para a baixa. O perigo mais grave é que com o enfraquecimento da economia real, a saúde das instituições financeiras continua a se degradar, obrigando-as a reduzir empréstimos.

Outro risco é de as medidas dos governos serem insuficientes para restabelecer a estabilidade e a confiança. Além disso, algumas economias da Europa central e em desenvolvimento podem deixar de honrar seus débitos internacionais e o setor bancário nacional enfrentar crise maior. Isso agravaria a recessão mundial.

O impacto da recessão sobre as sociedades é enorme. O desemprego aumentará bastante em todos os paises da OCDE, na maioria deles passando dos 10% pela primeira vez desde os anos 90. O desemprego dobrará em relação a 2007 nos paises do G-7, os mais ricos do mundo, onde poderá haver 36 milhoes de desempregados ao final de 2010.

Para a OCDE, a medida essencial para frear a "hemorragia economica" é uma ação sobre os ativos dos bancos e o problema de solvência do setor. Ou seja, é preciso esclarecer sobre os ativos tóxicos e se necessário "recapitalizar ou estatizar" os bancos insolventes. Medidas suplementares macroeconômicas tidas como cruciais para frear a baixa na demanda global. Mas a OCDE diz que a recessão é severa, mas a economia global está longe de uma "grande depressão" como nos anos 30. (AM)