Título: BC vê fortes indícios de abuso de poder nos cartões
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2009, Finanças, p. C3

O Banco Central e os órgãos de defesa da concorrência concluíram um amplo diagnóstico da indústria de cartões que mostra "fortes indícios" de exercício de poder de mercado, como excesso de lucros e falta de repasse aos lojistas e consumidores dos ganhos de escala e de evolução tecnológica. "Estamos avisando a indústria: eu vi e não gostei", afirmou o chefe do Departamento de Operações Bancárias do BC, José Antonio Marciano.

As taxas médias pagas pelos lojistas é de 2,95% do valor das vendas com cartões de crédito e, em alguns casos, chegam a 5%. A indústria de cartões é também o segmento campeão em reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, respondendo por 12% das 826 mil denúncias registradas entre dezembro de 2005 e dezembro de 2008 em todo o país, excluindo São Paulo.

O relatório foi publicado no site do BC e, nos próximos 90 dias, estará aberto a comentários de consumidores, lojistas, estudiosos do assunto e da própria indústria de cartões. A partir de então, o BC e os órgãos de defesa da concorrência vão tomar as medidas, que poderão incluir o aperto na regulação do setor ou a imposição de mudanças na estrutura dos negócios. "Seguindo o exemplo do que foi feito em outros países, pretendemos ouvir a indústria de cartões nessa etapa", afirma Marciano.

O diagnóstico divulgado ontem é o resultado de um convênio assinado em 2006 entre o BC, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da fazenda. Do ponto de vista do BC, a iniciativa faz parte de um projeto mais amplo para tornar mais eficiente o sistema de pagamento de varejo. A SDE e a Seae estão interessadas, em especial, na concorrência e na defesa dos consumidores.

O estudo conclui que a indústria de cartões de crédito opera de forma verticalizada, o que inibe o ingresso de competidores. As chamadas empresas credenciadoras, entre as quais se destacam a Redecard (bandeira Mastercard) e a Visanet (bandeira Visa), cuidam de credenciar os lojistas, fornecer os terminais instalados no comércio, capturar e processar as transações, encaminhar os pedidos de autorização das transações e fazer a compensação e a liquidação. "Em virtude da verticalização, quem pretende entrar no mercado de cartões é obrigado a fazer altos investimentos para prestar todos esses serviços", diz Marciano.

Em outros países, afirma, é comum o uso compartilhado das redes e terminais de captura de transações, o que abre o caminho para que, por exemplo, outras empresas entrem no credenciamento dos lojistas, oferecendo taxas mais competitivas.

Outro ponto negativo na estrutura da indústria de cartões no Brasil é que cada bandeira tem um contrato de exclusividade com um credenciador. Assim, por exemplo, no Brasil só a Visanet pode operar com a Visa, e a Redecard, com o Credicard. Em outros países, as bandeiras têm contratos com mais de um credenciador, o que incentiva maior competição entre eles. Além de verticalizada, a indústria de cartões é bastante concentrada. As bandeiras Visa e Mastercard, por exemplo, respondem por 92% dos cartões de crédito ativos e por 89% das transações realizadas. Os quatro maiores bancos emissores de cartões Visa respondem por 72,8% das transações; na Mastercard, esse percentual é de 66,4%.

O lucro das empresas credenciadoras, afirma o estudo, cresceu 302,8% de 2003 a 2007, passando de R$ 575,2 milhões para R$ 2,316 bilhões. O lucro médio anual por cartão emitido ativo passou de R$ 10 para R$ 20 no período. A Visanet teve margem de lucro de 36,8% em 2007, considerando a relação entre lucro líquido e receita líquida, e a Redecard, 53,9%. Os percentuais estão bem acima da margem de 8,3% vista em relatório feito pela Comunidade Europeia.

Fracassou uma tentativa anterior feita pelo BC para convencer a indústria de cartões a cooperar. Em 2006, o BC divulgou documento conclamando as empresas a cooperar no uso e expansão de sua infraestrutura, de forma a reduzir custos e oferecer produtos mais baratos. "A indústria não deu a resposta que esperávamos", disse Marciano.