Título: Com orçamento, Obama tenta cumprir promessas
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Fonte: Valor Econômico, 03/03/2009, Opinião, p. A12

O presidente Barack Obama pode ver frustradas todas suas políticas, mas já se sabe que pelo menos ele tentou seriamente pô-las em prática. O orçamento apresentado pela nova administração chamou a atenção por vários fatores pouco comuns no cotidiano do jogo de poder americano. O mais importante deles é algo simples: o presidente está empenhado em cumprir suas promessas de campanha. As consequências desse ato são igualmente relevantes. Obama quer acabar com a era do perdão de impostos para os mais ricos, que produziu nos últimos anos de explosão do crescimento econômico e de hipertrofia do sistema financeiro uma migração da renda da nação para os milionários. O sistema de saúde americano é parte desse problema, e impostos maiores para os ricos levarão dinheiro para a tentativa de se estabelecer uma cobertura mais ampla e mais equitativa.

Se não fosse pouco tentar metas tão ambiciosas, Obama acrescentou ao orçamento a intenção de cobrar imposto sobre as empresas que mais poluem, a criação de um esquema para o comércio de carbono e investimento de bilhões de dólares em energias alternativas.

Na política externa, de onde vêm grandes riscos imediatos, o presidente deu um aumento apenas residual de verbas ao Pentágono e ampliou os recursos para a diplomacia e ajuda econômica a países pobres. A ênfase no poder bélico diminuirá, em favor de negociações. Além de estabelecer um cronograma para a retirada da maior parte das tropas americanas do Iraque, Obama deixou claro que sua intenção não exclui praticamente nenhum dos países incluídos no "eixo do mal" pelo governo de George W. Bush. Obama citou especificamente Irã e Síria, alvos de ações diplomática sérias com o objetivo de encontrar um solução para o problema palestino e, com isso, o isolamento da rede terrorista Al Qaeda.

O orçamento de Obama é o seu terceiro pacote econômico, o de mais longo prazo e onde as propostas de mudanças se cristalizam. Ele vem na sequência do programa de recuperação econômica e do semiesboçado plano de socorro financeiro, que injetará até US$ 2 trilhões para sustentar os bancos. O fato de o orçamento implicar gastos recordes não é algo tão relevante. Qualquer governo, nas circunstâncias atuais, necessitaria de algo parecido, porque a maior parte dos recursos será utilizada para escorar alguns dos maiores bancos do mundo, agora falidos. O enorme déficit previsto para 2009, de 12% do Produto Interno Bruto, é decorrência disso. Os republicanos estão preocupados com os gastos em alta, mas não contestarão a rubrica de US$ 250 bilhões de perdas previstas com o socorro ao sistema financeiro - mais que o valor de mercado dos dez maiores bancos americanos somados.

Tão importante quanto os novos rumos que o governo Obama aponta para o futuro é o fato de ele colocar com uma contundência rara o foco no orçamento como resultado das mais importantes escolhas políticas da nação, e não como a tradicional caixa preta da qual especialistas e lobistas detém os segredos e influenciam os resultados. Republicanos e democratas caminharam durante muito tempo para a indiferenciação política. Obama está procurando forçar uma delimitação de fronteiras mais clara, puxando os democratas um pouco para a esquerda e lembrando-os de seus compromissos populares. Da mesma forma, raras vezes um presidente tentou em tão pouco tempo obter tantas mudanças. Uma das mais decisivas é o enterro rápido da funesta política de George Bush em relação ao meio ambiente. A ausência dos EUA produziu um lamentável atraso na busca de soluções globais para o aquecimento. Já pelo orçamento, Obama diz que os EUA estarão prontos para se engajarem em um esforço multilateral para enfrentar o problema.

Há razões fortes para que Obama, eleito com um grande margem de votos sobre um dos mais impopulares presidente americanos, aja assim. Ele preferiu elevar as apostas, colocando o risco à altura de seu prestígio. As chances de fracasso são igualmente altas, especialmente quando os republicanos estão procurando um eixo e parecem tê-lo achado em uma oposição cerrada a Obama. Mas os eleitores saberão pelo menos, como Obama tem enfatizado, o que está em jogo. A gravidade da crise lhe dá alguma chance de vitória.