Título: Para governo brasileiro, ministra da Produção é maior obstáculo a acordo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2009, Brasil, p. A4

Chama-se Débora Giorgi, na avaliação do governo brasileiro, o maior obstáculo a um acordo de convivência entre Brasil e Argentina. A ministra argentina da Produção foi a autora da resolução 61, editada na semana passada, que aumentou em 58 itens os produtos sujeitos a licenciamento prévio para venda no mercado local. Os brasileiros dizem que a chegada de Débora ao ministério encerrou a prática da comissão de monitoramento de comércio entre Brasil e Argentina, de informações e negociações antecipadas sobre medidas de restrição comercial .

AP Photo / Eraldo Peres Débora Giorgi: ministra teria acabado com a a prática de dar informações antecipadas sobre medidas de restrição

A estratégia traçada pelo governo brasileiro favorece, porém, a Argentina. A ordem, no Brasil, é evitar disputa pública. As críticas mais duras e recriminações pelas medidas consideradas inaceitáveis serão tratadas de forma reservada, e os negociadores brasileiros esperam conseguir pelo menos dois firmes compromissos do governo argentino: informação e negociação antecipadas das futuras restrições comerciais, como as licenças; e medidas contra o "desvio de comércio" - a ocupação, por concorrentes asiáticos, de fatias de mercado negadas aos brasileiros.

Levantamento recebido pelos negociadores brasileiros mostra que, desde 2005, o Brasil deixou de participar com mais da metade das importações argentinas de fogões a gás, enquanto os fornecedores de outros países passaram a representar 58% do fornecimento ao mercado local. Embora continue vendendo 80% dos refrigeradores comprados na Argentina, o Brasil, no passado, respondia por 90% das vendas, e viu exportadores asiáticos ocuparem boa parte da fatia perdida, de dez pontos percentuais. O Chile, e não produtores argentinos, tem se beneficiado da redução de vendas de fogões a gás brasileiros na Argentina, e as vendas de televisores do México e da China naquele mercado supera as de aparelhos provenientes da Zona Franca de Manaus.

Dados como esses sobre o avanço de terceiros países no mercado vizinho serão levados à discussão com a ministra. A resolução 61, cuja aplicação é prevista para daqui a duas semanas, foi apresentada pelos argentinos como trunfo a ser usado, caso os empresários brasileiros rejeitem a ideia de restrições "voluntárias" de vendas ao mercado argentino. Os argentinos se queixam que o governo brasileiro também desrespeitou a comissão bilateral ao editar medida - depois revogada a mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que estabelecia licenças automáticas para boa parte das importações brasileiras. A medida foi editada quando estavam na Argentina representantes do Ministério do Desenvolvimento, membros da comissão bilateral.

O governo brasileiro foi informado de que nem o Ministério de Relações Exteriores nem a Secretaria de Indústria do país vizinho haviam participado da decisão sobre a resolução 61. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, a medida afeta apenas o equivalente a 3,12% das vendas brasileiras em 2008 à Argentina, cerca de US$ 550 milhões, mas afeta diretamente setores com grande volume de vendas no mercado vizinho, como os de máquinas agrícolas (ceifadeiras e debulhadeiras) e tratores, produtos têxteis para cama, mesa e banho, zíper para roupa, algumas partes de automóveis, como certos tipos de assento, e móveis.

Quando a notícia da nova barreira comercial chegou ao Brasil, na quinta-feira, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim e o ministro da Fazenda, Guido Mantega estavam, separadamente, em encontros com empresários, que cobraram uma reação. Amorim, que estava na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pediu ao setor privado que evitasse reações desproporcionais e, à saída, garantiu que não haverá medidas de "retaliação" contra os argentinos. Mantega, reunido com o grupo de acompanhamento da crise, pediu que o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, respondesse aos empresários.

Tanto Amorim quanto Barral informaram que o disciplinamento das barreiras é um dos principais temas de discussão da reunião entre altos funcionários dos dois países, no dia 12, em Buenos Aires. O governo quer fixar cotas para os produtos brasileiros e respeito ao prazo de 60 dias para emissão de licenças de importação.

Os negociadores brasileiros serão comandados pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, favorável a um tratamento amistoso do contencioso com os argentinos, levando em conta a deterioração da situação econômica do país. Também irá à Argentina o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que agendou visitas a autoridades para falar das preocupações de Lula. O encontro do dia 12 prepara também a visita de Cristina Kirchner ao Brasil, na semana seguinte, no dia 20, quando será recebida na Fiesp, com uma delegação de empresários argentinos. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, garantiu a Amorim que não haverá cobranças públicas a Cristina, ainda que o governo argentino edite medidas protecionistas no próprio dia da visita. "Seremos anfitriões impecáveis", assegura Skaf.