Título: Indústria quer negociação única com vizinhos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2009, Política, p. A6

A indústria brasileira quer chegar unida a Buenos Aires na quinta-feira para a negociação dos acordos de restrição "voluntária" das exportações para a Argentina. A fim de aumentar o poder de barganha, o setor privado nacional pretende negociar em conjunto, em vez de caso a caso. Representantes dos setores afetados estarão presentes, mas o objetivo é centralizar na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

"Se dispersamos, não teremos capacidade de trade-off. Dessa maneira, podemos trocar concessões no trigo por exigências na linha branca, por exemplo. A Fiesp será uma caixa de ressonância do problema", disse o diretor do departamento de comércio exterior da entidade, Roberto Giannetti da Fonseca. A ideia surgiu na quinta-feira em reunião entre os representantes da indústria paulista e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O modelo é diferente dos acordos fechados em 2003 e 2004, após a crise da economia da Argentina, quando os setores discutiam isoladamente.

Na sexta-feira, os técnicos da Fiesp começaram a entrar em contato com as entidades envolvidas. Na avaliação de Giannetti da Fonseca, não será difícil a coordenação porque "é um time que está acostumado a jogar junto" em outros fóruns como a Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Alguns setores, no entanto, têm dúvidas sobre como vai funcionar.

"A ideia não está descartada, mas é preciso investir um bom tempo para ver como serão as regras gerais", disse Maria Tereza Bustamante, coordenadora de comércio exterior da Associação Nacional dos Fabricantes de Eletroeletrônicos (Eletros), que representa os fabricantes de geladeiras, fogões e lava-roupas. "Estamos em uma situação de conflito. Cada setor tem que resolver problemas pontuais".

Amorim recebeu a proposta com entusiasmo e conquistou assim o apoio da poderosa federação paulista para os acordos setoriais com o país vizinho e sócio do Mercosul. Segundo fontes que participaram da reunião, os empresários não estavam dispostos a bater de frente com o Itamaraty, avaliavam que a situação da Argentina é muito complicada por conta da crise financeira e reconheciam a favorável posição do Brasil no comércio bilateral.

A indústria brasileira, no entanto, está insatisfeita com a politização do problema pelo governo argentino e com os desvios de comércio provocados pela medidas protecionistas adotadas. A notícia de uma nova rodada de licenças não-automática de importação - que chegou exatamente no dia da reunião da indústria com Amorim - repercutiu muito mal. No fim do jantar, Skaf, visivelmente contrariado, acompanhou Amorim na coletiva, mas se recusou a falar com a imprensa, argumentando que não havia novidades.

"É o fim da picada. Uma provocação", desabafou Giannetti da Fonseca ao Valor. Ele ressaltou, porém, que a indústria brasileira estava tranquila, calculava que o efeito das medidas é quase inócuo e que a posição do Brasil ainda é de harmonizar a situação com a Argentina. No dia 20, a presidente Cristina Kirchner e um grupo de empresários serão recebidos na Fiesp.

Dois representantes do setor têxtil - um dos mais prejudicados pelas medidas da Argentina - estavam presentes na reunião com Amorim: Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, e Rafael Cervone Neto, presidente do Sindicato da Indústria Têxtil do Estado de São Paulo (Sinditêxtil-SP). Cervone Neto apresentou ao ministro estatísticas que demonstram que o problema do setor têxtil da Argentina não é o Brasil, mas a China, e que mesmo assim está havendo desvio de comércio a favor dos asiáticos.

Os dados apontam que a participação do Brasil nas importações de produtos têxteis e de vestuário da Argentina caiu de 42% em 2005 para 27% em 2008 e para 19% em janeiro e fevereiro de 2009. Em contrapartida, a fatia de outras origens, que inclui a China, subiu de 58% em 2005 para 70% em 2008 e atingiu 81% em janeiro e fevereiro deste ano.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), as licenças não-automáticas da Argentina prejudicam 20% das vendas do Brasil. O novo pacote anunciado por Buenos Aires inclui mais 14 posições tarifárias do setor têxtil, incluindo cama, mesa e banho - um dos produtos mais importantes da pauta.

No fim da reunião com os empresários, Amorim manteve o discurso de apoio à Argentina e argumentou que os acordos podem ser necessários para ultrapassar a crise, mas reforçou que não podem resultar em desvio de comércio e o Brasil "não deve ter medo de ameaças".