Título: Bloco do Brasil corre risco na negociação de clima
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2009, Internacional, p. A11

Um novo ponto no debate internacional sobre o regime climático ameaça rachar o G-77 e a China - o grupo dos países emergentes e menos desenvolvidos que sempre negocia em bloco - e joga mais dúvidas sobre o sucesso de um acordo a ser fechado em Copenhague no final do ano.

Está sobre a mesa a ideia de uma "graduação" de países, uma espécie de diferenciação sobre quem é mais ou menos desenvolvido entre as nações mais pobres. Este conceito procura diferenciar a responsabilidade na emissão de gases-estufa de quem hoje não tem metas de redução estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto - todos os mais pobres, basicamente. Ocorre que nesta turma estão China, Índia, Brasil e África do Sul ao lado de, por exemplo, Haiti e Burundi.

A ideia da diferenciação entre os países tomou fôlego em uma reunião de 2008, em Acra, a capital de Gana. Tem como protagonistas Japão e Austrália e a simpatia distanciada de observadores como a União Europeia. A jogada é clara: fazer com que a China, o maior emissor da atualidade se junte aos Estados Unidos, o maior emissor do passado. E talvez puxar junto os outros emergentes e incluí-los no clube de quem vai ter que crescer e enfrentar a crise economica diminuindo drasticamente suas emissões por um compromisso legal.

A estratégia, se tomar força, pode isolar os emergentes dos demais do G-77. Os outros países do bloco, naturalmente, tendem a ser indiferentes à proposição.

O Brasil reagiu formalmente à posição apresentando no mês passado um documento à Convenção sobre Mudança Climática das Nações Unidas. Ali diz claramente que o Plano de Ação de Báli, acordado no final de 2007 e que dá a rota para que os países cheguem a um acordo em Copenhague, não prevê "o estabelecimento de novas categorias de países ou uma "graduação" de países de uma categoria para a outra". Ou seja, fazer com que os que não têm a obrigatoriedade de cumprir metas de redução saltem para a fila dos que têm. Como argumento, cita que o Plano de Báli se baseia na Convenção e que ali se mantém a diferença entre o que se espera dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento.

Este último round da negociação de clima prenuncia que há muito caminho pela frente antes de se chegar a um acordo que desenhe o cenário para depois de 2012, quando termina o primeiro período do Protocolo de Kyoto. O Reino Unido, por exemplo, deixa claro que quer um novo acordo em Copenhague - o que o G-77 não quer. Não se trata apenas de uma exigência de forma. Um novo acordo pode pressupor que os Estados Unidos tenham os mesmos compromissos que os outros desenvolvidos, coisa que os EUA jamais aceitaram e, por isso, não ratificaram Kyoto.

Outro nó nas negociações vem do fato que, até agora, a administração Obama ainda não chamou os principais atores deste debate para uma conversa, como todos eles esperam. Já é março, há muitas reuniões programadas para os próximos meses e a agenda apertada prevê um texto de negociação básico em junho - mas sem que os EUA se mexam, nada vai para a frente. Por enquanto, o enviado às reuniões continua sendo Dan Reifsnyder, diplomata de carreira e veterano negociador americano. O novo time de Obama parece que ainda está tomando pé da coisa.

Os acertos entre EUA e China são fundamentais para o êxito de um acordo internacional sobre clima. A União Europeia, que costumava ter papel de liderança na questão, está calada desde 2008. A Rússia não faz praticamente nada. O Japão tem prejudicado o avanço dos debates com uma proposta complexa que rifa 1990 como ano-base para os cortes nas emissões e pretende estabelecer regras setoriais. O Canadá nunca quis o sistema de Kyoto. E os emergentes querem que os desenvolvidos cumpram sua parte antes de exigir qualquer coisa dos demais. Um desconfia do outro. O cenário continua mal parado e o tempo passa.

"A construção de confiança entre os países é fator primordial para se alcançar um acordo robusto em Copenhague ", diz Guarany Osório, coordenador da campanha de clima do Greenpeace Brasil. "Mas o que vemos hoje é um pingue-pongue, onde países em desenvolvimento pedem financiamento para agir e os desenvolvidos pedem ação para prover financiamento. O clima não vai esperar pelo final desse jogo interminável. Cada um deve fazer a sua parte."

Na semana passada, mais uma má notícia ajudou a alimentar o pessimismo entre os que circulam nas reuniões de negociação. Os países industrializados revisaram para cima a quantidade de emissões de gases-estufa que declararam para 1990, ano-base utilizado para os cortes previstos pelo Protocolo de Kyoto. As emissões declaradas por 34 países aumentaram em 3,5%, atingindo um total de 17,6 bilhões de toneladas. Em 1996, segundo levantamento da ONU, eram 17 bilhões, informou a agência Reuters. A diferença é maior que o volume de emissões atuais da Itália, Austrália e França. Os EUA e a Rússia foram os que mais aumentaram seus valores de 1990.