Título: Dependente de gás, Argentina fica apreensiva
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2005, Especial, p. A12
crise política vivida pela Bolívia foi recebida com preocupação adicional pela Argentina. O forte ritmo de crescimento da economia está aumentando a demanda energética, que já é superior à do ano passado, e o consumo se incrementará no inverno. Teme-se um cenário de escassez pior do que o vivido em 2004, que pode se agravar ainda mais caso haja problemas com o suprimento de gás boliviano. No ano passado, a Argentina conseguiu um alívio parcial para seus problemas de abastecimento de gás fechando com a Bolívia um acordo para comprar 4 milhões de metros cúbicos por dia. Em novembro último, o pacto foi prorrogado até o fim de 2005, com a transferência máxima de 6,5 milhões de metros cúbicos por dia nos meses de inverno. Atualmente os dois países estão negociando o preço de venda do gás. Inicialmente, a Argentina pagava US$ 1,60 por btu, unidade térmica usada como referência no mercado de gás. Depois de ameaçar cortar o suprimento, em janeiro, a Bolívia conseguiu que a tarifa aumentasse para US$ 2,08 por btu - o governo boliviano ainda está tentando um novo incremento. No momento há limites de capacidade de transporte que impedem a ampliação dos envios de gás boliviano à Argentina. Um dos maiores projetos para a aumentar o fluxo é a ampliação de um gasoduto que conecta a Bolívia com as províncias do noroeste argentino. Concluída a obra, poderão ser transportados até 20 milhões de metros cúbicos de gás por dia, mas a indefinição em relação à legislação boliviana de hidrocarbonetos fez com que os trabalhos não começassem até agora. A previsão oficial era de que as obras estivessem concluídas em 2007. Por causa da importância do suprimento de gás ao país, o presidente argentino, Néstor Kirchner, ligou ontem para o boliviano Carlos Mesa para expressar sua solidariedade e cancelou uma viagem ao interior do país para poder acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. O ministro do Planejamento, Julio de Vido, admitiu que a situação preocupa o governo por causa da necessidade de garantir o abastecimento de gás. Além do gás boliviano, a Argentina está tentando ampliar a oferta de energia por outros meios para evitar cortes. Semana passada, o presidente do BNDES, Guido Mantega, esteve em Buenos Aires para assinar a concessão de um financiamento de US$ 200 milhões do banco para a ampliação de um gasoduto que liga a região da Patagônia a Buenos Aires. Nesta semana o governo também anunciou uma licitação para a compra de 2 milhões de barris de óleo combustível, que se somam à aquisição de 8 milhões já acertada com a Venezuela. A intenção é usar o óleo como substituto do gás para produção de energia em termelétricas. O país também está tentando aumentar a compra de eletricidade proveniente do Brasil, e em janeiro o tema foi discutido durante uma reunião em Brasília entre o ministro De Vido e a ministra de Minas e Energia, Dilma Roussef. No ano passado, a Argentina chegou a ter problemas com o abastecimento de eletricidade e gás, e algumas empresas sofreram cortes. O governo instituiu um programa para estimular e economia, dando compensações financeiras aos consumidores que reduzissem o consumo. Os problemas ocorreram porque ao mesmo tempo em que a demanda cresceu com a expansão econômica, a oferta está praticamente estagnada por falta de investimentos das empresas, que tiveram sua rentabilidade reduzida pelo congelamento tarifário imposto a partir da desvalorização de janeiro de 2002. A crise energética argentina também causou problemas nas relações com o Chile, já que para suprir o aumento de seu consumo a Argentina diminuiu os envios de gás ao país vizinho, rompendo contratos que haviam sido pactuados no final dos anos 90. No mês passado, o ministro De Vido disse que se for necessário a Argentina voltará a cortar os envios de gás ao vizinho.