Título: Repasse menor lesa mais os pobres
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2009, Brasil, p. A3
A nova programação orçamentária do governo federal prevê que as transferências obrigatórias para Estados e municípios devem ter este ano queda nominal de 0,1% em relação a 2008. A previsão inicial da União era de um aumento de 12,4% nessas verbas. A redução deve ter impacto maior em Estados e municípios mais dependentes dos recursos da União e provocar corte de custeio, investimentos e também uma disputa maior por repasses de recursos voluntários. A queda dos repasses chega junto com um aumento de despesas, entre elas o aumento de 12% no salário mínimo desde fevereiro.
Os repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) caíram 5,4% nominais no primeiro bimestre. A queda decorreu do tombo na arrecadação dos dois principais tributos que alimentam os fundos, o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Os Estados já tomam iniciativas para recompor as contas. José Adelson Mattos Ramos, diretor do Tesouro da Secretaria de Fazenda da Bahia, conta que o governo está elaborando proposta para recomposição das perdas junto ao governo federal. Segundo Ramos, além da redução nos repasses, houve também queda de arrecadação no ICMS. O recuo da receita provocou medidas de emergência. "O governo decretou um contingenciamento de R$ 600 milhões, com cortes de gastos.", diz Ramos. "Além disso, foi implementado um controle de despesas de custeio."
Na Bahia, o ingresso de receitas do Fundo de Participação dos Estados (FPE) de janeiro a março ficou R$ 195 milhões abaixo do previsto no orçamento de 2009. Ramos diz que o fundo representa pouco mais de um quarto de todas as receitas do Estado. Segundo ele, os R$ 195 milhões significam 46% das perdas de arrecadação em relação ao que se esperava para o período.
Pernambuco também já contabiliza diferenças entre a receita orçada e a obtida até agora. O secretário de Fazenda, Djalmo de Oliveira Leão, diz que no primeiro trimestre as receitas ficaram 16,5% abaixo do previsto, e explica que o recuo das transferências obrigatórias afeta o Estado. "O FPE representa 30% de nossas receitas livres. Tivemos uma queda de cerca de 5% de janeiro a março. Essa redução nos dá um abalo significativo."
Leão explica que o desempenho do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cuja arrecadação subiu 6,3%, sem contar a inflação, tem salvo as contas. A elevação é creditada aos novos investimentos que o Estado têm recebido, com a instalação de empresas de vários setores. Esse resultado permitiu ao Estado manter as receitas do primeiro trimestre em patamar semelhante ao do ano passado em termos nominais.
Segundo o secretário, a Fazenda ainda não definiu se haverá cortes de custeio ou investimentos. A ideia é esperar até o fim do primeiro quadrimestre para saber se a diferença entre a receita realizada vai se manter. O governo, diz ele, procura não precisar reduzir a programação de investimentos, planejada em R$ 1,6 bilhão, valor que significa elevação de 45% em relação ao aplicado no ano passado.
O Paraná é outro Estado afetado pela queda de receitas. Segundo o coordenador da administração financeira, César Ribeiro Ferreira, os recursos do FPE em janeiro e fevereiro tiveram queda real de 8,8% em relação a igual período do ano passado. Para combater o impacto da queda de arrecadação, o Estado tem apertado a fiscalização e está revendo benefícios a empresas que não apresentaram sua contrapartida para o Estado, diz Ferreira.
O economista Fernando Montero, da corretora Convenção, lembra que ainda é bastante provável que a queda prevista na nova programação orçamentária esteja superestimada, já que o governo trabalha com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2% neste ano. Os analistas ouvidos semanalmente pelo Banco Central (BC) apostam em PIB estável.
Para Montero, a queda não deverá afetar Estados maiores, que possuem mais caixa ou instrumentos para amenizar esses efeitos, como privatizações. O problema está nos Estados e municípios menores, cujas despesas concentram-se no funcionalismo, com uma folha que recebeu o impacto de 12% de reajuste no salário mínimo. Um problema adicional é que Estados e municípios aumentaram muito os gastos em 2008 (cerca de 20%), o que os obriga a frear com força em 2009. O quadro pode gerar um festival de concessões nos próximos meses, entre elas transferências "voluntárias" de recursos da União, que gasta muito e incentiva as demais esferas de governo a gastar.
Amir Khair, especialista em contas públicas, acredita que Estados e municípios das regiões Sul e Sudeste, mais industrializadas, devem sentir menos a queda de transferências da União. "Ao contrário do Norte e Nordeste, essas regiões têm administrações com maior arrecadação própria."
Estados que foram mais conservadores na elaboração dos orçamentos para 2009 acabaram ficando também numa situação mais favorável. O Espírito Santo, por exemplo, calculou um aumento de apenas 3% nominais nas receitas para este ano, o que daria uma queda real na comparação com 2008. Além disso, o Estado não é tão dependente dos recursos da União. O FPE representa apenas 10% das contas capixabas. Segundo José Eduardo Azevedo, secretário de governo do Espírito Santo, as receitas totais do Estado no primeiro trimestre ficaram praticamente nos mesmos patamares, em termos nominais, em relação ao ano passado. A expectativa, diz, é que a queda não se acentue ainda mais e que o Estado consiga cumprir o orçamento.
"Estamos em condições bem menos expostas também em função do bom desempenho do ano passado, que resultou em reservas de caixa", afirma. Ele diz que essas reservas propiciaram ao governo elevar na última semana a perspectiva de investimentos de R$ 790 milhões para R$ 1 bilhão.
A maior parte dos R$ 210 milhões de recursos adicionais deve ser aplicada em obras civis, para geração de empregos. Cerca de metade do valor, explica, será aplicado em parcerias com municípios, por meio de transferências voluntárias, para tentar elevar a demanda local por bens e serviços.
Contando ou não com recursos voluntários, os municípios já iniciaram seu pleitos. Na última semana, propostas para repor as perdas das prefeituras já começaram a ser colocadas em discussão no Congresso Nacional, como o repasse de recursos do Fundo Soberano do Brasil ou uma compensação com o valor que a União deverá arrecadar com a elevação do IPI sobre cigarros.