Título: Cimento Social gasta R$ 3,6 milhões em 30 casas e gera eleitor indiferente
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2009, Política, p. A8

Depois de gastos R$ 3,6 milhões dos cofres do governo federal, o projeto Cimento Social, no Morro da Providência, centro do Rio, está no limbo. Apenas 30 das 800 casas previstas foram concluídas. O projeto de reformas de casas do senador Marcelo Crivella (PRB) causou polêmica no ano passado ao misturar dinheiro do Ministério das Cidades com a presença de soldados de Exército nas obras e na segurança da favela até ser embargado em junho do ano passado pela Justiça Eleitoral.

Então candidato a prefeito do Rio, o senador e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus havia usado o projeto para fazer campanha. Poucos dias antes do embargo, o Exército foi afastado pela Justiça devido ao envolvimento de militares na morte de três jovens do local. Soldados levaram os rapazes a outro morro controlado por uma facção criminosa rival ligada ao tráfico de drogas. Os jovens foram encontrados mortos.

Agora, a obra do senador está sob a mira do Ministério Público Federal, que investiga suposto desvio de verbas e a licitação da construtora feita pelo Exército. Crivella, porém, está desde janeiro bancando informalmente a conclusão de 47 casas com recursos próprios, pois o embargo valia até o fim do segundo turno das eleições. "O senador me pediu para continuar", diz Vander Dantas, responsável da Edil, construtora contratada pelo Exército. Iniciada em dezembro de 2007, a obra do Cimento Social parou com apenas 20 casas prontas. A primeira fase previa a reforma de 120 residências e todo o projeto abrangia 800 casas. A reforma seria custeada com R$ 16,6 milhões do Ministério das Cidades repassados ao Ministério da Defesa.

Candidato em 2010 à reeleição ao Senado ou ao governo do Estado, Crivella ainda não colheu frutos eleitorais da obra. Derrotado no primeiro turno nas eleições municipais no ano passado, sua votação na zona eleitoral da Gamboa, que abrange o Morro da Providência, foi de 19,91%, pouco acima da votação na cidade, de 19,06%. Nélson Gomes, ex-presidente da associação de moradores e que se diz líder comunitário, conta que Crivella hesita em subir o morro. "O senador fica rodando em torno da comunidade, mas não entra. Os moradores não querem recebê-lo, ele não veio dar explicação", disse. Gomes trabalha no gabinete de Liliam Sá, vereadora mais votada na zona eleitoral da região. Filiada ao PR e evangélica, Liliam é ligada a Crivella.

No Morro da Providência, que ainda sofre com o controle territorial do tráfico de drogas, o clima com o Cimento Social é de descrença. A aposentada Berenice espera há mais de um ano a reforma da sua casa. "Vou todos os dias na associação de moradores para saber", diz Berenice, ex-operária de uma fábrica de bolsas na Gamboa. Evangélica da Igreja Universal, Berenice não votou nas eleições municipais do ano passado. "Já tenho mais de 70 anos e não é mais obrigatório", disse. Berenice tem sofrido com as obras inacabadas da casa vizinha. "Quando chove, a água entra na minha casa", diz.

O encarregado da obra no Morro da Providência, Alex Oliveira, reclama hoje da polícia, que estaria atirando contra os operários para constranger os traficantes locais. Conta, entretanto, que os soldados do Exército agiam de forma igualmente violenta antes do embargo.

Não há uma perspectiva, no âmbito de governo, de prosseguimento para o Cimento Social. O governo do Estado do Rio se comprometeu a dar continuidade às obras em troca de apoio de Crivella ao então candidato e hoje prefeito Eduardo Paes, nome lançado pelo governador Sérgio Cabral, ambos do PMDB. No acordo, o senador Crivella aprovou emenda parlamentar de R$ 7 milhões ao governo do Rio de Janeiro com a condição de o governador utilizar a verba no projeto. Segundo assessores do senador, o dinheiro está empenhado e ainda não foi liberado.

O contrato do Exército com a obra foi cancelado, mas a Edil diz ainda ter a receber R$ 400 mil. Procurado, o Exército apenas recomendou que a reportagem procurasse o Ministério das Cidades, que por sua vez, disse que o controle dos gastos era do Exército, responsável pela licitação. O ministério informa ainda não haver forma legal de repassar as verbas restantes do projeto ao governo Cabral.

No governo estadual, o assunto está parado à espera de decisão do Ministério Público Federal. O governo não soube nem sequer informar se a continuidade do Cimento Social ficaria com a Secretaria de Obras ou com a de Habitação, esta nas mãos de Leonardo Picciani (PMDB), filho de Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e que tem exercido forte pressão sobre o governo Cabral. Os Picciani fazem parte do grupo que tem incomodado o governo Lula - a bancada do PMDB do Rio na Câmara dos Deputados, liderada por Eduardo Cunha.