Título: TSE quer auditar doações de grandes empresas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2009, Política, p. A10

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, determinou a abertura de uma auditoria especial nas contas da Camargo Corrêa para verificar a disparidade entre as doações que a construtora declarou à Justiça Eleitoral (R$ 6 milhões) e aquelas que ela alega ter feito (R$ 24 milhões). Esse tipo de investigação será estendido a todas as grandes empresas que fizeram doações vultosas, divididas por vários partidos nas últimas eleições.

A Camargo Corrêa está sob investigação da Polícia Federal desde 25 de março, quando a Operação Castelo de Areia prendeu diretores da empresa por suspeita de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. Na semana passada, houve o avanço de outra linha de investigação: a possibilidade de doações irregulares da construtora para campanhas políticas. É neste contexto que o TSE decidiu abrir uma auditoria para verificar as doações da companhia. "Isso merece uma apuração", afirmou o ministro, em entrevista ao Valor. "Ainda que não haja discrepância, só o volume já justificaria."

Ayres Britto deverá estender esse procedimento a todas as grandes empresas que fazem doações. Segundo ele, os ministros do TSE vêm discutindo a necessidade de separar os grandes doadores e submetê-los a um processo especial de contas. Eles querem obter informações mais detalhadas de companhias que contribuem com as campanhas de políticos de diferentes partidos e espalham doações por diversos Estados brasileiros.

Hoje, a legislação impõe limites às doações. As empresas podem doar até 2% do faturamento do ano anterior. Para as pessoas físicas, o limite é 10% da renda. A suspeita é que a pulverização das doações seja uma estratégia para superar esses limites.

"É preciso realmente uma atenção especial para o tema do suprimento de recursos privados para a campanha eleitoral, seja para partidos ou para candidatos", disse Britto. "Está mais do que provado que esse é um ponto nevrálgico, onde há fragilidade estrutural no processo eleitoral."

Hoje, as grandes empresas doam a diversos partidos ao mesmo tempo. Para Britto, essa prática não afeta o "princípio da paridade de armas", pelo qual os partidos devem ter as mesmas condições de chegar ao poder, pois todas as legendas estão obtendo recursos. O ministro também avalia que esse problema não afeta a captação ilícita de sufrágio, já que não se pode supor que o dinheiro doado para campanha seja revertido diretamente para a compra de votos. Mas o princípio da alternância no poder fica claramente prejudicado, constatou o presidente do TSE. Isso porque os pequenos partidos terão mais dificuldades para obter recursos. "A alternância de poder fica prejudicada", disse.

Outro problema grave é a transferência de recursos provenientes de doações de campanha dos partidos para os candidatos. Essa prática criou uma zona nebulosa na qual tornou-se mais difícil para o tribunal identificar o caminho do dinheiro. Agora, os ministros do TSE querem baixar uma resolução para acabar com a brecha que permite aos partidos o repasse de dinheiro de campanha aos candidatos e vice-versa. Eles suspeitam que essa é a válvula de escape que permite ao candidato obter verbas maiores do que as declaradas oficialmente para as suas campanhas e estudam a imposição de regras para coibir essas transferências.

"A grande corrupção administrativa quase sempre começa pelo financiamento irregular de campanha", lamentou Britto.

O TSE fez um levantamento com relação às doações às eleições de 2006 e verificou que existem 18 mil doadores sob suspeita. Os nomes estão sendo mantidos em sigilo pelo tribunal porque nas investigações há dados fiscais dos doadores. Essas informações foram encaminhadas pela Receita Federal e estão protegidas formalmente por sigilo. Mas, as autoridades que tiveram acesso a essas investigações disseram que há casos em que as discrepâncias saltam os olhos. Algumas contribuições de campanha superaram a renda dos doadores. E há casos de pessoas físicas que não declararam Imposto de Renda, mas foram doadores.

O TSE assinou um convênio com a Receita Federal para obter informações sobre os doadores e facilitar a identificação dessas crimes. O convênio prevê uma troca constante entre as instituições de informações sobre as empresas-doadoras. Para Britto, o fato de o TSE obter dados fiscais não quebra o sigilo dessas companhias. "Quem entra no jogo eleitoral se submete ao controle da lei", justificou o ministro. "Se o financiamento de campanha tem limites que só podem ser apurados fiscalmente, temos que ir à Receita. E ela também tem que vir a nós para ver se não há crimes fiscais. É uma estrada de mão dupla", completou.

Para o presidente do TSE, o ideal seria que as eleições brasileiras tivessem um vasto número de doadores de pequenas quantias, e não, como acontece hoje, um pequeno número de grandes empresas-doadoras. Britto acredita que essa mudança levaria a uma participação maior dos eleitores na campanha, como ocorreu nas últimas eleições americanas, quando Barack Obama ganhou a Presidência após receber milhares de doações de pequenos valores (por volta de US$ 100) pela internet. A proliferação de pequenos doadores também reduziria a dependência dos políticos das grandes companhias. "A lógica de um grande número de doadores de pequenas quantias é aquela da participação da cidadania no processo eleitoral. Isso poderia revitalizar a democracia", defendeu Britto.