Título: Venezuela dificulta entrada de celular brasileiro
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2009, Brasil, p. A3
Depois de perder o mercado equatoriano, com o aumento dos impostos de importação no país, a indústria de telefones celulares está ameaçada, agora, por barreiras à importação decretadas na Venezuela. O governo Hugo Chávez decidiu, no início do ano, restringir o uso do dólar oficial na importação de celulares à empresa estatal CANTV, o que tornou proibitivas as compras de celulares importados por parte das duas outras concorrentes privadas.
Nos dois primeiros meses de 2009, a queda nas vendas de celulares brasileiros à Venezuela chegou a 52% em valor, e em 23% na quantidade de aparelhos vendidos, segundo a Associação Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica (Abinee). Em março, segundo o Ministério do Desenvolvimento, houve uma pequena recuperação, mas as exportações de celulares ainda estão em queda quando comparadas com o mesmo período do ano passado, em quase 30%.
O controle das despesas em dólar feito pelo governo afeta mais as exportações brasileiras ao país. Já em 2008, a Venezuela passou de sexto para sétimo maior comprador de produtos brasileiros. De janeiro a março de 2009, as exportações totais ao mercado venezuelano caíram 7,5%, principalmente devido à queda nas vendas de produtos manufaturados, que chegou a 10%. As vendas de produtos básicos caíram 3%, média que esconde retração violenta em produtos como a carne bovina, cujas exportações caíram 43% no primeiro trimestre - queda compensada pelo forte aumento na importação de poucos produtos, como açúcar em bruto (364%).
O instrumento mais usado pelo governo venezuelano para dificultar as importações foi o Cadiv, o cadastro de empresas autorizadas a operar com o dólar pelo câmbio oficial, equivalente a quase um terço da cotação no mercado livre. No caso dos celulares, as empresas privadas de telecomunicações foram desligadas do Cadiv, e a estatal CANTV passou a dar preferência, nas compras, aos celulares vendidos no mercado local pela filial de uma empresa chinesa, a ZTE.
"Infelizmente, o governo da Venezuela está selecionando, com o Cadiv, quem pode comprar celulares", queixa-se o presidente da Abinee, Humberto Barbato. "Vamos ter uma reunião bilateral de comércio, em fim de abril ou começo de maio, e essa questão do Cadiv está na pauta", informou ao Valor o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral. "No fundo, é uma barreira não-tarifária, por decisão interna, contra a qual o país tem poucos instrumentos", critica o vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior, (AEB), José Augusto Castro.
As restrições do Cadiv vêm retardando pagamentos e dificultando o fluxo de caixa de exportadores como os produtores de carne, confirma o presidente da Associação das Indústrias Brasileira Exportadora de Carnes (Abiec), Roberto Giannetti da Fonseca, também diretor-titular de Comércio Exterior e Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Pagamentos autorizados pelo Cadiv chegam em data incerta e com atraso significativo", comenta.
Humberto Barbato informa que a queda nas vendas à Venezuela afetam um dos principais mercados do setor, o segundo maior importador de produtos eletroeletrônicos brasileiros, só atrás da Argentina. Em celulares, o Equador estava à frente dos venezuelanos até o fim d ano passado, quando o governo Rafael Corrêa, ameaçado de crise cambial, elevou a tarifa de importação do produto, de 5% para 50%. Segundo Barbato, as importadoras venezuelanas têm contornado as restrições, em alguns casos, apelando para depósitos em dólar mantidos no exterior, mas essa saída não se aplica aos celulares pelo grande volume importado por poucas empresas.
O governo brasileiro tem seu poder de pressão enfraquecido na mesa de negociações porque, apesar dos obstáculos impostos pelo governo venezuelano, a Venezuela é, ainda, o país com quem o Brasil tem o maior saldo comercial, que deve ultrapassar US$ 1 bilhão em abril, rivalizando com o saldo mantido com todos os outros sócios do país no Mercosul.
Além disso, alguns setores têm se beneficiado da demanda venezuelana por produtos alimentícios e bens finais, como é o caso do óleo de soja (aumento de 241% no trimestre). A venda de máquinas agrícolas, exceto tratores, cresceram 160% no trimestre, em comparação com o mesmo período de 2008. Em consequência da política venezuelana de forçar a produção local de bens industrializados, também aumentou, em 18%, a importação de semimanufaturados, como açúcar refinado (302%) e leite e creme de leite concentrado (90%). E fez aumentarem acima de 300% a venda de alguns modelos de máquinas para a indústria.