Título: Ciro volta à estrada para viabilizar candidatura à Presidência em 2010
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2009, Política, p. A13
Nas eleições de 2002, o candidato da Frente Trabalhista (PPS-PTB-PDT) à Presidência da República, Ciro Gomes, foi a um debate na Universidade de Brasília e saiu vaiado. Novamente candidato a candidato, Ciro voltou à UnB na terça-feira, 7, e saiu aplaudido por alunos do curso de Ciências Políticas. O que mudou parece ter sido a plateia, pois o discurso de Ciro Gomes, agora deputado federal filiado ao PSB, é praticamente o mesmo, sete anos depois.
"O neoliberalismo muitas vezes foi tratado como ciência, sendo ideologia, na minha opinião, da quinta categoria", dizia o deputado na terça-feira, repetindo quase que literalmente o que falou em 2002: "Essa perversão neoliberal é vendida para nós como ciência, mas não passa de teoria de quinta categoria, fruto de massiva propaganda ideológica", dizia o então candidato.
Aos 51 anos, Ciro costuma atribuir muito de seus rompantes de 2002 à juventude. Mas continua o mesmo político "polêmico, que não receia dizer o que pensa", como anunciou o professor Paulo Kramer ao apresentar o palestrante aos alunos da UnB.
Ciro está de volta à estrada, uma reedição da estratégia que o levou ao terceiro lugar nas eleições presidenciais de 1998, quando Fernando Henrique Cardoso foi reeleito. A UnB foi uma escala conveniente, enquanto marcava ponto na Câmara dos deputados, antes de seguir um roteiro que já tem definidos visitas a Cuiabá (MT), Juiz de Fora (MG), Porto Alegre (RS) e Rio Branco (AC).
Antes ele já estivera em Manaus. O PSB reclama por mais viagens, mas não é certo que vá lhe conceder a legenda em 2010, pois é possível que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, feche um acordo para apoiar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em troca do apoio do PT à sua reeleição, numa chapa que teria o ex-prefeito de Recife (PE) João Paulo candidato ao Senado.
O PSB acha que mantendo a candidatura, Ciro Gomes deve ficar à frente de Dilma nas pesquisa e demonstrar, na prática, que é mais prudente, para o governo, sair para a campanha presidencial de 2010 com dois candidatos, a fim de assegurar a realização de um segundo turno contra o tucano José Serra, governador de São Paulo.
Para tanto, Ciro percorre o Brasil. Embora ele mesmo acredite ter domado o temperamento que tantos problemas lhe causou na campanha de 2002, o fato é que em suas andanças fala muito e nem sempre consegue se conter - quando consegue, insinua.
Ciro, por exemplo, acha que as soluções do governo para combater a crise são de varejo. Ele preferiria soluções no atacado. Critica a desoneração do IPI da indústria, por exemplo. "Revela uma boa intenção, mas cobre um santo para descobrir o outro - mais da metade dos municípios está quebrada". Mas logo afirma que não quer falar "mal de Lula" para evitar a exploração dos jornais. À essa altura já disse que está em desacordo com o governo.
Na UnB, Ciro disse que está a cada dia mais parecido com o presidente venezuelano Hugo Chávez: não pode "ver um microfone" que desanda a falar. É fato. E quase sempre mal de alguém (Fernando Henrique Cardoso e José Serra são suas vítimas preferidas) ou de alguma coisa. Do "neoliberalismo de quinta categoria", por exemplo. "Meu sangue começa a esquentar quando falo disso", reconheceu na palestra aos alunos da UnB.
Ciro tenta ser didático ao tratar da crise. O que aconteceu, segundo ele? "Joe Smith, um americano de renda baixa, não podia comprar uma casa, mas os bancos estavam abarrotados de dinheiro. Então eles resolveram buscar o Joe Smith para ser mutuário de um crédito que ele não tinha". A história segue com Joe Smith tomando um empréstimo com cinco anos de carência e 50 anos para pagar.
Resumindo, o papel de US$ 270 mil de Joe Smith, agora com um selo de subprime, logo é negociado com um banco em Londres por US$ 240 mil, em seguida com um banco japonês por US$ 220 mil. Só que após os cinco anos Joe Smith não paga e começa a quebradeira. "E quem não quebra passa por uma crise de confiança".
Mas se de fato há uma crise, como reconhece Ciro Gomes, "há também uma manipulação dessa crise, há interesses que estão se cevando, que são escusos".
"Desta vez o Brasil não quebrou. É uma coisa para consolo de filho de viúva", diz.
Ciro por exemplo acha que os quatro ou cinco "bancões oligopolizados" brasileiros não micaram, pois não operaram o sub-prime, mas usaram a crise "para botar de joelhos o Banco Central" para afrouxar o compulsório e elevar a taxa de juros.
Ciro também anda com bronca da imprensa, que em sua opinião é dominada "dominada por cinco famílias e uma igreja". Acha que os jornais estão muito fixados em pequenos escândalos do Congresso mas fazem vista grossa para mudanças feitas pelos congressistas em medidas provisórias e que podem provocar escândalos de milhões.
Ciro foi o prefeito (Fortaleza) e o governador (Ceará) mais jovem do país, aos 32 e 34 anos. Agora é o deputado federal com a maior votação proporcional. Mas tem sentimentos dúbios em relação à atividade parlamentar. "Eu estou com um sentimento de dubiedade: uma hora pergunto "o que é que eu estou fazendo aqui"? Outras vezes eu quero ir lá brigar".
"Gatão de meia idade", como é chamado pela mulher - "É minha mulher que chama, depois eu digo: me engana que eu gosto" -, no contato com os alunos da UnB o pré-candidato do PSB procura se mostrar em sintonia com a juventude, fala a linguagem da internet e demonstra familiaridade com programas da MTV. "O João Gordo disse que ficou com medo de me entrevistar. Eu estava com medo de ser entrevistado por ele", disse.
Na política, Ciro não engole a aliança que Lula fez com o PMDB, o que julga ter levado o governo para a centro-direita. É evidente que considera o primeiro mandato de Lula - do qual participou como ministro da Integração Nacional - melhor que o segundo. Elogia Lula por ter "invertido" uma tradição secular- o Brasil quebra a cada crise externa, mas acha que a "falta de coordenação" entre as políticas monetária, cambial e fiscal levaram a um desequilíbrio nas transações corrente que preocupa.
Ciro Gomes deixa a UnB contente por não ter "levado ovo na cabeça". E aplaudido, em vez da vaia de sete anos atrás.