Título: Mercado externo vai garantir a escala necessária, diz Jobim
Autor: Silveira , Virgínia
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2009, Especial, p. F4

O Ministério da Defesa tem R$ 2,26 bilhões para investir nas Forças Armadas em 2009. Segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, os investimentos futuros, que terão como base a nova Estratégia Nacional de Defesa, serão destinados ao aparelhamento das forças e terão cronograma ajustado às condições econômicas do país.

Segundo Jobim, as ações estratégicas na área de defesa não serão paralisadas, mesmo com os cortes no orçamento do setor, embora em alguns casos o ministério seja obrigado a reduzir despesas e ajustar o cronograma de determinados projetos. "O importante é a direção a seguir. A velocidade da caminhada, a gente ajusta", afirmou.

Jobim voltou a ressaltar que o objetivo da nova política de defesa do governo é vinculá-la ao projeto de desenvolvimento nacional. O mais importante desafio desse processo, segundo ele, é espraiar na sociedade o entendimento de que o desenvolvimento e defesa estão interligados e que a defesa é um escudo do desenvolvimento. "Cada vez que se consegue um avanço em uma tecnologia de defesa, estamos também ajudando a modernizar a nossa indústria civil." A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: O sr. afirmou que a transferência de tecnologia é condição primordial para a compra de equipamentos fora do país. No caso do programa FX-2, dos helicópteros franceses e do submarino nuclear, quais são as tecnologias que o governo considera estratégicas e vai exigir das empresas fornecedoras?

Nelson Jobim: Cada projeto tem suas especificidades. Por exemplo, quando começamos a produzir submarinos no Brasil, conseguimos desenvolver uma rede de fornecedores nacionais e treinar mão de obra no país. De um total de 200 mil itens que compõem o submarino, já temos mais de 36.000 que são produzidos aqui. Há algumas tecnologias que nós até podemos dominar, mas não é racional produzir o equipamento aqui, devido à ausência de escalas. Então, a discussão se dá a cada caso.

Valor: Quais alternativas estão sendo criadas pelo governo no sentido de reduzir o risco das iniciativas da indústria nacional de defesa e permitir a criação de uma escala de produção que garanta a sobrevivência dessas empresas?

Jobim: As iniciativas são em várias frentes: no estímulo à capacitação tecnológica, no tratamento tributário diferenciado, na garantia de crédito para exportação, na prioridade em compras governamentais, desde que cumpridos certos requisitos. Essas linhas gerais estão sendo tratadas na Estratégia Nacional de Defesa, e muitas normas serão detalhadas ao longo do ano, com projetos a serem enviados ao Congresso. Mas algumas ações começaram a ser adotadas antes mesmo do lançamento da estratégia. A exigência de construção dos helicópteros de transporte no Brasil, por exemplo, foi um passo para fortalecer uma rede de fornecedores nacionais. Da mesma forma, o acordo com os franceses para a construção do submarino a propulsão nuclear resultará na implantação de um estaleiro e de uma base de submarinos, com incorporação de novas tecnologias para o país.

Valor: Em que nível está a proposta de integração das bases industriais de defesa da América do Sul e de que forma ela seria colocada em prática?

Jobim: Em março, nós tivemos no Chile a primeira reunião de ministros do Conselho de Defesa Sul Americano, instância criada por iniciativa do Brasil junto à União de Nações Sul Americanas (Unasul). No encontro, foi aprovado o Plano de Ação 2009-2010, que prevê a elaboração de um diagnóstico das indústrias de defesa dos países membros. Nesse trabalho serão levantadas as capacidades de cada um e as possibilidades de associações estratégicas. O primeiro passo será a definição de uma metodologia para se fazer esse diagnóstico. Paralelamente, serão discutidas as oportunidades de cooperação bilateral ou multilateral que surgirem. A Colômbia, por exemplo, já demonstrou interesse em participar do projeto do avião cargueiro KC-390, da Embraer.

Valor: Quais projetos integram a lista de prioridades da política nacional de defesa no âmbito de cada uma das forças: Exército, Marinha e Aeronáutica?

Jobim: Nós estabelecemos na Estratégia Nacional de Defesa que três setores são estratégicos para a defesa nacional - o cibernético, o espacial e o nuclear. Os projetos prioritários decorrentes deles serão consequência de outros estudos em andamento, que tratam principalmente da forma como cada força executará as tarefas estabelecidas pela sociedade civil. Por exemplo, como cada força fará, em conjunto com as demais, o monitoramento do território? Dessa definição é que surgirá o equipamento necessário para cada uma. De antemão, podemos citar como prioridades o desenvolvimento de veículos lançadores de satélite, o projeto do submarino nuclear, a tecnologia de satélites e de posicionamento por satélite, sistemas de direção de tiro, entre outros. Mas é importante observar que não há mais uma divisão tão clara entre projetos de forças. As coisas estão imbricadas. Por exemplo, nós estabelecemos que a mobilidade e a flexibilidade são exigências básicas para o Exército. E para isso, teremos que dispor da capacidade de transportar rapidamente uma brigada inteira, quase cinco mil homens equipados, do centro do Brasil para qualquer parte do território nacional. Só que esse suporte logístico será dado pela força Aérea. Então, a aquisição dos aviões de transportes é um projeto da Força Aérea, mas com repercussão direta na operacionalidade de outra força. O mesmo ocorre com o monitoramento do espaço. O projeto dos satélites brasileiros, que resultará na construção de um satélite geoestacionário, de alta altitude, não pertence a nenhuma força, está no âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia. No entanto, é fundamental para fornecer informações precisas e rede de comunicação para os meios operacionais das três forças.

Valor: O plano nacional de defesa prevê que, além dos caças, o monitoramento do território nacional seja feito pelo espaço e entre as opções, estão os satélites geoestacionários e os veículos aéreos não-tripulados. Devido à urgência da missão, esses equipamentos serão comprados fora ou a ideia é desenvolvê-los no Brasil através da transferência de tecnologia?

Jobim: A Estratégia Nacional de Defesa estabelece uma restruturação da defesa, inclusive das Forças Armadas, com vistas ao fortalecimento da capacidade dissuasória brasileira. Mas isso não quer dizer que nós estamos desprotegidos, como pode dar a entender a sua pergunta. Nós não temos em nosso horizonte uma ameaça efetiva, por isso nosso objetivo é a capacitação nacional. E não estamos parados, esses projetos já estão em andamento. O Centro Tecnológico da Aeronáutica já está na fase de testes do sistema de controle de um Veículo Aéreo Não Tripulado (Vant) que equipará as três forças, cada uma com suas necessidades específicas. E enquanto as pesquisas do CTA avançam, tanto a Marinha quanto o Exército estão testando produtos específicos de fornecedores privados para se capacitar nesse tipo de tecnologia. Na área de satélite, o Brasil já utiliza serviços de uma empresa privada, para comunicações militares. Mas o objetivo é ampliar ainda mais a capacidade de uso e assegurar o controle nacional sobre o serviço.

Valor: Quais desafios o Ministério da Defesa terá que enfrentar para vincular o plano estratégico de defesa ao contexto do plano de desenvolvimento do país?

Jobim: O principal desafio é espraiar na sociedade o entendimento de que desenvolvimento e defesa estão interligados, e que a defesa é um escudo do desenvolvimento. E não me refiro apenas ao risco de um conflito, onde o Brasil tenha que dizer não a alguém que queira ferir os nossos interesses vitais. Eu falo também do cotidiano do setor produtivo, pois cada vez mais as tecnologias são duais, servem tanto para fins militares, quanto para fins pacíficos. Vou pegar um exemplo extremo, o dos supercomputadores. É um equipamento essencial para certos setores da indústria, como o de petróleo ou de previsões meteorológicas. Mas o comércio desse tipo de equipamento sofre sérias restrições dos países desenvolvidos, sob o argumento de que pode ser usado para pesquisas com armamentos nucleares. Essa lógica você pode repetir para muitos outros setores. Então, cada vez que conseguimos um avanço em uma tecnologia de defesa, estamos também ajudando a modernizar a nossa indústria civil. Já conseguimos ampliar profundamente o debate sobre esses assuntos, especialmente no Congresso.

Valor: Qual o montante de investimentos previsto para o reaparelhamento das três forças em 2009?

Jobim: A previsão é de um investimento total de R$ 2,26 bilhões em 2009. Mas não devemos confundir esse processo, que já estava em andamento, e que em geral destina-se a necessidades básicas das forças, com o aparelhamento para cumprir as tarefas da Estratégia Nacional de Defesa. Alguma coisa se aplica, mas nem tudo. E os investimentos, que serão de médio e longo prazo, terão cronograma ajustado às condições do país. O importante é a direção a seguir. A velocidade da caminhada, a gente ajusta.

Valor: A nova política industrial de defesa favorece o surgimento e a consolidação de iniciativas bem-sucedidas como foi a da Embraer?

Jobim: Exatamente. A política de compras de governo que é praticada com a Embraer desde o seu nascimento, no âmbito da Aeronáutica, é uma demonstração de como podemos ajudar as empresas nacionais a adquirir musculatura. Mas as empresas terão que ter competência para conquistar o mercado externo, sem o qual dificilmente poderão competir nesse mercado altamente disputado.

Valor: Além do avião cargueiro KC-390, que será desenvolvido pela Embraer, quais outras iniciativas ou projetos envolvendo tecnologias de ponta ainda não dominadas pelo país, serão apoiados pelo governo?

Jobim: Além dos Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs), dos Veículos Lançadores de Satélites (VLS), dos satélites propriamente ditos, outros projetos de alta tecnologia poderão ser definidos a partir das necessidades identificadas durante a implementação da Estratégia Nacional de Defesa.

Valor: O governo pretende criar na Amazônia a figura do "exército móvel" e para isso vai investir em blindados sobre rodas. Quais os detalhes desse projeto desenvolvido com a Fiat-Iveco?

Jobim: Sobre o projeto dos blindados, desenvolvido pelo Exército com a Iveco, ainda não é possível assegurar detalhes de sua execução.